A Fé Antiga e Perene Falando ao Mundo Atual: Temas Teológicos, Notícias, Reportagens, Comentários e Entrevistas à luz da Fé Ortodoxa.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Maria e o Milagre das Bodas de Caná



Para boa parte dos evangélicos se obstacula a compreensão do milagre das bodas de Caná, em virtude de uma tradução mal elaborada e infeliz do diálogo de Jesus com sua mãe: à obscura expressão grega (ti emoi kai soi, guinai), literalmente “que a mim e/também a ti, mulher” várias edições protestantes apresentam a seguinte versão: “Mulher, que tenho eu contigo?”

Contudo, vozes lúcidas e honestas têm se levantado entre evangélicos em relação a este texto. Exemplo disto é o Comentarista Bíblico Evangélico americano, Pr. Dave Humpal, o qual em seu sitio de internet comenta versículo por versículo os livros do Novo testamento, e faz a seguinte observação à usual tradução evangélica do texto em questão:

“Os tradutores prestaram um grande desserviço ao traduzirem tal versículo, dando a entender que Cristo reprovava sua Mãe”(http://www.elite.net/~ebedyah/PastorsSite/gospels/john2-1-11.htm).  

Felizmente, algumas edições mais recentes de Bíblias Protestantes vêm se redimindo deste erro grotesco de tradução. Vejamos o texto de algumas versões em inglês e espanhol:


New American Bible

“Jesus said to her, Woman, how does your concern affect me? My hour has not yet come."

(Disse-lhe Jesus: No que sua preocupação me diz respeito? Minha hora ainda não é chegada).


New International Version 1984 (US)

"Dear woman, why do you involve me?" Jesus replied. "My time has not yet come."

(Querida Senhora, por que você me envolve nisto? Replicou Jesus. Minha hora ainda não chegou).


New Revised Standard Version 1989

“And Jesus said to her, Woman, what concern is that to you and to me? My hour has not yet come."

(E Jesus lhe disse: Mulher, no que isto nos diz respeito?).


Reina-Valera 1995 (Espanhol) 

“Jesús le dijo: -- ¿Qué tiene que ver esto con nosotros, mujer? Aún no ha llegado mi hora.”

(Jesus lhe disse: O que isto tem a ver conosco, mulher? Minha hora ainda não chegou).


La Biblia de Las Americas 1986

“Y Jesús le dijo: Mujer, ¿qué nos va a ti y a mí en esto? Todavía no ha llegado mi hora".

(E Jesus lhe disse: Mulher, o que isto tem a ver conosco? Minha hora ainda não chegou).


New King James Version

“Jesus said to her, Woman, what does your concern have to do with Me? My hour has not yet come."

(Jesus lhe disse: Mulher, o que a sua preocupação tem a ver comigo? Minha hora ainda não chegou).


Em sua aversão ao Catolicismo Romano, o movimento evangélico – na tentativa de negar ou esvaziar a importância da Santa Virgem perante seu Filho – não avalia as consequências teológicas de tal postura:

Ao conceber indiferença e até descaso de Jesus para com Maria, nos faz pensar que Jesus estaria quebrando o primeiro mandamento com promessa: “Honra ao teu pai e a tua mãe”. É inconcebível que um filho de Israel (muito mais ainda Jesus) pudesse pensar numa relação fragmentada com seus familiares e antepassados, principalmente com seus genitores diretos. Nem mesmo a condição messiânica pode comportar tal ideia.

Quando em outra passagem Cristo pergunta: “Quem são minha mãe, meu pai e meus irmãos?” esta fala não é dirigida num colóquio direto com a sua Mãe, mas, sim, dirigida às multidões para ensinar os laços íntimos e familiares para com Ele de todo aquele que faz a vontade de Deus. Tal afirmativa, longe de negar a sublimidade da maternidade de Maria, antes, a ratifica, pois, se mãe e irmãos do Cristo é todo aquele que ouve e guarda a Palavra de Deus, quem melhor do que Maria se encaixa nesta condição? (Lucas 1:45; Apocalipse 12:17)

Portanto, a expressão “Senhora, que temos nós com isto? A minha hora ainda não é chegada” além de expressar melhor o sentido do texto grego, torna-se harmônica com a lógica da narrativa. Ora, Cristo, Maria e os Discípulos eram convidados e não anfitriões. Então, é lógico que este problema diz respeito aos organizadores da festa e não aos seus comensais. Naturalmente que Ele, Jesus, compreendeu que havia subjetivamente um pedido de sua Mãe para que ele interviesse miraculosamente, e à esta intenção Ele contrapõe que ainda não era chegada a sua hora.

Pergunta-se: Se ainda não era chegada a hora do Messias manifestar os seus sinais ao mundo, por que então Ele a antecipa? A resposta está na natureza da oração quando praticada por um justo: ela é capaz de “alterar” os desígnios Divinos, sempre como um ato de graça e misericórdia.

Exemplo disto temos no livro do Profeta Isaías, no episódio da doença do rei Ezequias (Is. 38:1-5). O profeta é enviado ao palácio real levando consigo a seguinte mensagem: “Assim diz o SENHOR: Põe em ordem a tua casa, porque morrerás, e não viverás” (v. 1). Ao ouvir tal sentença o rei se humilha e chora diante de Deus; pelo que o Senhor fala ao Profeta para retornar ao palácio e dizer a Ezequias que a sua oração foi ouvida e ele não mais morreria.

Assim, também, a Mãe de Deus ao sair da presença do seu Filho, dirige-se à presença dos serventes levando consigo a certeza de que o Filho lhe atenderia e, por isto lhes diz: “fazei tudo quanto ele vos disser”. Ora, se ele tinha se negado a intervir, o que teria ele a ordenar aos serventes? Contudo, o Filho de Deus chama os serviçais e ordena-lhes que encham as talhas de água e, assim, opera o milagre da transmutação da água em vinho, fazendo com que a festa prosseguisse com mais cor e glamour do que as primeiras horas.

Portanto, desta forma, principia Jesus os seus sinais em Caná da Galileia “antecipando” a hora prevista desde a eternidade para dar início à sua missão. Pelas orações da Mãe de Deus os céus se moveram em favor dos homens e, como é característica própria sua, a Santa Virgem se retira de cena a fim de que a glória seja do seu Filho, o qual é Bendito pelos séculos dos séculos. Amém.


Extraído do Livro “A Mãe de Deus na Espiritualidade do Oriente”,
Pe. Mateus (Antonio Eça), Clube dos Autores, 2007

segunda-feira, 21 de abril de 2014

O Milagre do Fogo Sagrado






Onde E Quando É Que O Milagre Acontecer?

O Fogo Sagrado, o milagre mais famoso no mundo Ortodoxo e que extasia a alma dos cristãos, ocorre ininterruptamente todos os anos, desde o século IV, em Jerusalém, na Igreja da Ressurreição - também conhecida como Igreja do Santo Sepulcro (pois é nela que fica o Túmulo onde o Senhor Jesus Cristo fora enterrado e ressuscitou ao terceiro dia), por ocasião da celebração Ortodoxa da Páscoa, no grande Sábado Santo.

Capela do Santo Sepulcro
A Páscoa Ortodoxa, na maioria das vezes, difere das celebrações pascais das Igrejas Católicas Romanas, Anglicanas e Protestantes, uma vez que estas, adotaram o Calendário Gregoriano, estabelecido pelo Papa Gregório XIII, no século XVI (1582), enquanto as Igrejas Ortodoxas permaneceram fiéis aos critérios estabelecidos pelo I Concílio Ecumênico, realizado em 325 dC.

No entanto, conforme decisão tomada Assembleia dos Bispos Católicos da Terra Santa em 15 de outubro de 2012, excepcionalmente na Palestina (com exceção de Jerusalém e Belém que seguirão o Calendário Gregoriano a fim de respeitar os vínculos impostos na Cidade Santa pelo sistema do status quo, que regulariza a convivência entre as diferentes Igrejas cristãs nos Lugares Santos), a Igreja Católica Romana passou a adotar o Calendário Ortodoxo para a celebração da Páscoa.

As Medidas Para Afastar a Hipótese de Fraude

No Grande Sábado Santo, por volta das 13h, Autoridades Israelenses se dirigem para a Basílica da Ressurreição, passam em meio da incontável multidão de peregrinos que se acotovelam do lado de fora da Igreja desde a tarde da Sexta-feira, em ansiosa expectativa do momento do milagre, e adentram na Basílica. Então, as Autoridades Judaicas selam o Túmulo com cera. No entanto, antes de por o selo, a Polícia Técnica de Israel realiza uma vistoria na intenção de encontrar alguma fonte oculta de fogo.


Como Ocorre O Milagre

Patriarca Deodoro
“Eu entro na tumba e me ajoelho em santo temor em frente ao lugar onde Cristo esteve depois de sua morte e onde Ele ressuscitou dentre os mortos ..." (narra o Patriarca Ortodoxo Deodoro). “Eu caminho em meio a escuridão rumo à câmara interna na qual eu me posto de joelhos. Aí eu faço algumas orações que nos foram transmitidas através dos séculos, e ao conclui-las, fico em espera. Às vezes espero alguns minutos, mas, geralmente, o milagre acontece imediatamente após o término das orações. Do centro da Pedra onde Jesus esteve, brota uma luz indescritível. Geralmente é de uma coloração azul, mas a cor pode mudar e apresentar várias matizes diferentes. Eu não sei como descreve-la em termos humanos.

A luz  que se levanta da pedra é como a névoa que se ergue de um lago; parece que a pedra está coberta por uma nuvem úmida, mas é luz. Esta luz a cada ano se comporta de forma diferente. Às vezes ele cobre apenas a pedra, outras vezes ela ilumina o sepulcro inteiro, de tal maneira que as pessoas que estão do lado de fora do túmulo conseguem enxergar o seu interior. O fogo não queima. Eu nunca tive a minha barba queimada em todos os 16 anos que estive recebendo o Fogo Sagrado como Patriarca de Jerusalém.

A luz é de uma consistência diferente da tocha normal que arde em uma lamparina de óleo ... A certa altura, a luz se  ergue, formando uma coluna na qual o fogo é de natureza diferente, e é deste fogo que acendo as minhas velas. Depois que as acendo, saio e compartilho o fogo - primeiramente com o Patriarca Armênio e depois com o Patriarca Copta. A partir daí é que então distribuo a chama para as demais pessoas presentes na Igreja. "

Enquanto o Patriarca permanece ajoelhado em frente a pedra dentro da capela, a Igreja está em completa escuridão: um silêncio profundo e uma expectativa igualmente tensa tomam conta do povo. Mas, quando o Patriarca sai com as duas velas acesas reluzindo na escuridão, um grito intenso de júbilo ressoa na Igreja.

O Fogo Sagrado não é apenas distribuído pelo Patriarca. Às vezes, uma luz de uma coloração completamente diferente da luz natural, sai como um relâmpago do Santo Sepulcro, circunda a Capela do Santo Sepulcro, acendendo os candelabros que estão postos na sua frente, os quais, até então, permaneciam apagados. A luz gira de um lado para o outro da Igreja e percorre algumas das capelas no interior da igreja, como por exemplo, a capela do Calvário (situada um nível superior à do Santo Sepulcro), onde a Luz Santa circula e acende as pequenas lâmpadas que nelas estão.

A Luz também acende as velas de certos peregrinos. Na verdade, existem alguns peregrinos muito piedosos que, cada vez que assistem a esta cerimónia, notam que suas velas acendem por si próprias.


Uma Peculiaridade Digna de Nota

Patriarca Theóphilo
Atual Patriarca de Jerusalém
Apesar do risco de atrair o repúdio e a incompreensão dos demais cristãos, existem uma peculiaridade que não podemos omitir. É que o milagre ocorre somente pela oração de um Patriarca Ortodoxo. No passado, algumas tentativas frustradas de chefes de Igrejas não-ortodoxas foram registradas. Estas Igrejas, usando de coerção de política de Estado, impediram o Patriarca Ortodoxo de realizar a cerimônia, sendo designado bispos não-ortodoxos para a conduzir. Mas, devido aos vexames sofridos, estas iniciativas cessaram por completo.


Origem Histórica

Os primeiros relatos do Fogo Sagrado remontam ao século IV; no entanto, alguns autores afirmam existirem registros de sua ocorrência desde o primeiro século. Dentre estes, estão os de São João Damasceno e de São Gregória de Nissa que relatam como o apóstolo Pedro viu a Santa Luz no Santo Sepulcro após a ressurreição de Cristo.


Oposição Crítica e Suspeitas de Fraudes

Alguns acadêmicos, movidos por ceticismo ou disputa religiosa, levantaram, a princípio, que o fato não se tratava de truque barato instrumentalizado pela propaganda Ortodoxa.

Contudo, suas críticas foram perdendo força e credibilidade a partir de alguns dados incontestes:

As muitas narrativas de pessoas idôneas de diversas origens sociais que afirmam testemunhar do milagre - não somente dentro do Santo Sepulcro - mas também de terem suas próprias velas acesas espontaneamente;

O testemunho multissecular do milagre;

A perícia técnica realizada sistematicamente pelo Estado Judeu;

A falta de Contestação e até anuência da parte de Confissões “Rivais" à Igreja Ortodoxa e de um número sem fim de cristãos das mais diversas igrejas que comparecem para averiguar o milagre, até mesmo de alguns muçulmanos.


Fonte: Holy Fire
Adaptação: Padre Mateus (Antonio Eça)