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domingo, 3 de junho de 2012

O Espírito Santo Na Tradição Ortodoxa


O Espírito Santo Na Tradição Ortodoxa

Paul Evdokimov

(1901-1970), teólogo leigo, cristão ortodoxo, nasceu em São Petersburgo, e no contexto da revolução russa imigrou para França onde começou por trabalhar como operário na indústria automóvel. Mais tarde foi professor no Instituto Saint-Serge de Paris. O seu empenhamento em favor do ecumenismo e aproximação entre as espiritualidades cristãs do oriente e ocidente valeu-lhe ser convidado, como observador, para o Concílio Vaticano II.




Simone Weil encontrou uma imagem surpreendente de verdade:

“Invocar o Espírito pura e simplesmente; um apelo, um grito. Como quando se está no limite da sede, que se está doente de sede, já não nos representamos o ato de beber em relação a si mesmo, nem mesmo em geral o ato de beber. Representamo-nos somente a água, a água tomada por si mesma, mas esta imagem da água é como um grito de todo o ser”.

Os Padres exprimem a mesma verdade em termos teológico, mas desde que se trate do Espírito Santo, eles renunciam às expressões habituais, falam uma outra linguagem, cheia de uma admiração sem limites, uma espécie de embriaguez.

O Espírito desce no mundo, mas a sua Pessoa dissimula-se na sua própria epifania (aparição). Ele manifesta-se apenas nos seus dons e nos seus carismas. O grande mistério cobre-o. As suas imagens na Escritura são imprecisas e fugitivas: sopro, chama, perfume, unção, pomba, sarça ardente. São Simeão, o Novo Teólogo, diz:

“O Teu Nome, tão desejado e constantemente proclamado, ninguém poderia dizer aquilo que ele é”.

Na Epifania, desce do céu como uma Pomba e repousa sobre Jesus. Nas suas manifestações, ele é um movimento “para Jesus”, a fim de o tornar visível e manifesto. A sua presença está escondida no Filho como o sopro e a voz que se apagam diante da palavra que eles tornam audível. Se o Filho é a imagem do Pai e o Espírito Santo a imagem do Filho; o Espírito, dizem os Padres, é único a não ter a sua imagem numa outra Pessoa, ele é essencialmente misterioso.


A Economia Trinitária da Salvação

A Igreja é ao mesmo tempo fundada sobre a Eucaristia e sobre o Pentecostes. O Verbo é o Espírito, as “duas mãos do Pai”, segundo a expressão de Santo Ireneu, são inseparáveis na sua ação manifestadora do Pai e, no entanto inefavelmente distintos. O Espírito não é subordinado ao Filho, ele não é função do Verbo, ele é o Segundo Paráclito, como o diz São Gregório Nazianzeno: “Ele é um outro Consolador... como se ele fosse um outro Deus”. Vemos nas duas economias do Filho e do Espírito a reciprocidade e o mútuo serviço, mas o Pentecostes não é uma simples conseqüência nem uma continuação da Encarnação. O Pentecostes tem todo o valor em si mesmo, ele é o segundo ato do Pai: O Pai envia o Filho e agora envia o Espírito Santo. Terminada sua missão, o Cristo volta para o Pai para que o Espírito desça em Pessoa. São Simeão, o Novo Teólogo, sublinha o caráter pessoal da missão do Espírito: “O Espírito não permanece estranho à vontade da sua missão... Ele realiza pelo Filho aquilo que o Pai deseja, como se fosse o seu próprio querer”. Ao mesmo tempo, ele nos “consola” da ausência visível do Cristo. A palavra Paraclitos significa: “aquele que é chamado junto”, aquele que está “perto de nós” como nosso defensor, advogado e testemunha da nossa salvação pelo Cristo.

O Pentecostes aparece como o fim último da economia trinitária da salvação. Ao acompanharmos os Padres, podemos dizer que o Cristo é o grande Precursor do Espírito Santo.

Santo Atanásio diz:

“O Verbo assumiu a carne para que nós pudéssemos receber o Espírito Santo. Deus fez-se sarcóforo para que o homem se pudesse tornar pneumatóforo”.

Para São Simeão, o Novo Teólogo:

“Tais eram a finalidade e o objetivo de toda a obra de nossa salvação pelo Cristo, que os crentes recebam o Santo Espírito”.
Igualmente, Nicolau Cabasilas:

“Qual é o efeito e o resultado dos atos do Cristo?... não é nada mais que a descida do Santo Espírito sobre a Igreja”. O próprio Senhor o diz: “E melhor para vós que eu parta... Eu suplicarei ao Pai e Ele vos dará um outro Paráclito”.

Assim a Ascensão do Cristo é a epiclese por excelência porque divina; o Filho suplica ao Pai que dê o Espírito Santo e, como resposta à súplica, o Pai envia o Espírito e faz vir o Pentecostes. Essa visão total das economias não diminui em nada o caráter central da Redenção crística e do sacrifício do Cordeiro, mas precisa a ordem progressiva dos acontecimentos e mostra o Filho e o Espírito cada um na sua própria grandeza e dimensão, cada um servindo o outro numa reciprocidade e num mútuo serviço e convergindo em conjunto para o Reino do Pai.

Durante a missão terrestre do Cristo, a relação dos homens ao Espírito Santo apenas se realizava em Cristo e pelo Cristo. Em compensação, após o Pentecostes é a relação ao Cristo que se realiza pelo Espírito e no Espírito Santo.

Com efeito, na época do Evangelho, o Cristo era historicamente visível, ele estava diante dos seus discípulos. A Ascensão suprime a visibilidade histórica: “O mundo não me verá mais” e nisso a partida do Senhor é real. Mas o Pentecostes restitui ao mundo a presença interiorizada do Cristo e o revela agora não diante, mas no interior dos seus discípulos. “Eu virei a vós... eu estarei convosco até ao fim do mundo”; a presença do Senhor é tão real como a sua partida. “Nesse dia (dia de Pentecostes) vós conhecereis que eu estou em vós.” Essa interiorização opera-se justamente pelo Espírito Santo, como o diz São Paulo: “O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Santo Espírito” (Rm 5,5). É pelo espírito que nós dizemos “Abba Pai” e pronunciamos o Nome de Jesus.

Na expressão “um outro Consolador”, podemos entender quase a identificação que faz o Cristo entre a vinda do Espírito e o seu próprio retorno. Esse outro Consolador, justamente allos e não heteros, outro mas não novo, quase o mesmo e porém manifestado de outro modo. Agora ele é biúnico, pois a ele se aplica a palavra relativa ao Espírito: “Para que ele permaneça eternamente em vós” e também a palavra relativa ao Cristo: “E eis que eu estou convosco para sempre, até ao fim do mundo”. O Paráclito é ao mesmo tempo o Cristo sobre o qual repousa Espírito e ele é o Espírito que revela e manifesta o Cristo, na sua inseparável simultaneidade e serviço recíproco.

Assim o Pentecostes começa a história da Igreja, inaugura a Parusia e antecipa o Reino, O Espírito integra-nos ao Corpo como os “co-herdeiros” de Cristo, faz-nos “filhos no Filho” e no Filho faz-nos encontrar o Pai. O Espírito de adoção opera a filiação divina e Santo Ireneu aplica à Igreja o nome de “filho de Deus”, filho adotivo do Pai.

Segundo 2 Cor 3,17-18 — “Pois o Senhor é o Espírito e, lá onde está o Espírito, está a liberdade. Nós todos que refletimos a glória somos transformados, como convém, à ação do Senhor, que é o Espírito” —, ao lado do Senhorio do Cristo, se estabelece o senhorio do Espírito. A identificação do Reino ao Espírito, freqüente nos Padres, refere-se a uma variante da oração dominical: em vez de “que venha o teu Reino”, lê-se: “que venha o teu Espírito Santo”. Esta invocação marca o último ato da salvação, o retorno ao Pai e a sua Senhoria suprema: “E quando todas as coisas lhe forem submetidas, então o próprio Filho se submeterá Aquele que tudo lhe submeteu, a fim de que Deus seja tudo em tudo”, “ele confiará a realeza a Deus Pai”. A noção de Igreja-Corpo passa para a noção de Igreja-Família, Igreja-Casa do Pai, à imagem da Trindade.

O Espírito Santo na Tradição Ortodoxa,
Editora Ave-Maria


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