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domingo, 13 de setembro de 2009

O Caminho das Índias e O Caminho do Coração

Há muito a teledramaturgia brasileira não prestava um serviço tão significativo à alma de nossa sociedade que vem sendo degenerada por muitos agentes. A autora da novela “O Caminho das Índias”, Glória Perez, tendo como pano de fundo o hinduísmo (nome ocidental utilizado para classificar o conjunto das milhares de religiões e cultos que se estabeleceram na Índia), faz desenvolver uma trama onde estão presentes todos os elementos da alma humana: religiosidade, hipocrisia, amor, paixão, ódios, perfídia, avareza, preconceito, perversão e etc.
No entanto, nenhum desses elementos foi - como geralmente costuma ser - o catalisador de tamanha audiência. O que prendeu a atenção dos telespectadores foi, por assim dizer, a alma que norteava esta novela que brindou o fim da trama mostrando os personagens vencendo os seus vícios e limitações por seguirem o Caminho do Coração.

Segundo a Tradição Cristã, o caminho do coração não pode ser confundido com o dos sentimentalismos e das emoções (ambos restritos às dimensões externas da alma); conforme a antropologia bíblica, o coração é o centro do ser humano, princípio que determina as escolhas e os desejos de uma pessoa. Certamente que inclui também os sentimentos e as emoções, todavia, é muito mais que isto. Podemos dizer que é nele que está, conforme a expressão usada por São Paulo, o homem interior (Romanos 7:22 e ss). É considerado o órgão mediante o qual a graça penetra – não somente a alma – como também todos os membros do corpo. É também considerado o centro do conflito. Segundo o ensino dos Evangelhos é do coração que procedem os pensamentos maus, os homicídios, adultérios, prostituições, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias (Mateus 15:19). E esta é a lição que Shankar (personagem de Lima Duarte) antes de se transformar em sanyase (monge) procura deixar para o seu filho Opash (Tony Ramos), que começa a desfrutar de uma vida feliz por decidir - em meio aos conflitos e as dores - ouvir a voz mais profunda do coração (a caverna da alma, segundo as tradições mais antigas da Índia). E é no coração onde pode ser encontrada, independente da cultura religiosa, a Lei Divina, segundo nos ensina Paulo, o Apóstolo de Cristo aos gentios (nações pagãs aos olhos dos judeus):

“Porque, quando os gentios, que não têm lei, fazem naturalmente as coisas que são da lei, não tendo eles lei, para si mesmos são lei, os quais mostram a obra da lei escrita no seu coração, testificando juntamente a sua consciência e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os, no dia em que Deus há de julgar os segredos dos homens, por Jesus Cristo, segundo o meu evangelho” (Romanos 2:14-16).

Portanto, o coração será o grande promotor ou advogado dos homens perante o Juízo vindouro. Por isto o Rei Salomão (cerca de 1000 a.C) escreveu: “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida” (Provérbios 4:23).

A Igreja de Cristo tem como mais pura tradição uma espiritualidade monástica que pode ser desenvolvida tanta nas cavernas de um deserto como na gruta de um coração que habita as cidades. Esta espiritualidade tem como alvo o coração, palco de todas as batalhas e cenário das experiências mais sublimes do sagrado, do que é numinoso e noético. Aos que desconhecem esta realidade, é bom se apressar para tomar posse dos tesouros que possuem sem saber.

Coadjuvando o tema da espiritualidade está o da psicopatia, que Glória Perez busca fazer sabido a um público acostumado a ouvir o “Freud explica” (submetendo o comportamento humano a um determinismo psicológico), que a maldade não pode ser confundida com doença psicológica (no sentido científico). O psicopata não perde o senso da realidade e nem o da razão. Ele age por impulsos mais profundos do que a atual ciência humana possa classificar. Tema este encarnado pela própria experiência de vida da Autora que teve a filha (a atriz Daniela Perez) brutal e friamente assassinada pelo namorado e companheiro de profissão, o ator Guilherme de Pádua. Do ponto de vista Ortodoxo, toda esta derrocada que a sociedade vem padecendo tem como uma de suas fontes exatamente a dessacralização do mau, que caracteriza o cientificismo que ajudou a formar da sociedade ocidental a partir da idade moderna, o qual comumente reduz o sagrado à categoria do mito e da superstição ou como fenômeno sócio-cultural.

E aqui está também uma chamada de atenção aos líderes espirituais do cristianismo ocidental que já há muitos séculos vêm se despindo da Tradição da Igreja em nome de uma nova compreensão, com base em filosofias secularizantes. Muitos cristãos que se maravilharam com os costumes e cosmovisão da Índia, não sabem que eles estão em sintonia com tradições antigas e viscerais da Igreja: a visão transcendente do mundo, o sagrado associado com o cotidiano e ocupando o posto de intérprete privilegiado da realidade, a visão patriarcal e sagrada da família (em contrapartida ao conceito fragmentário de família nuclear), o respeito e cuidado para com os mais velhos e etc. Isto tudo desapareceu da cultura ocidental européia e quase não foi conhecida de forma sadia pelo Novo Mundo (as Américas).

Muitos cristãos no Ocidente possuem uma visão reduzida da Igreja. Até mesmo a Novela omitiu que a fé cristã também está nos Caminhos da Índia, pois a Igreja se estabeleceu na Índia pela pregação do Apóstolo Tomé e se estabeleceu em meio a todas estas tradições, padeceu ao longo da história grandes tormentos, limitações, preservando o Evangelho da verdade e testemunhando daquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida. Hoje a Igreja da Índia tem cerca de 5.000.000 (cinco milhões) de fiéis. Infelizmente, com a chegada dos portugueses no século XVII e a tentativa de subjugar a Igreja da Índia ao Bispo de Roma gerou muitos desconfortos e cismas dentro da Igreja de São Tomé. Hoje, como fruto destes cismas, estão subdividos em cinco jurisdições, a saber: a Igreja Assíria do Oriente, a Igreja Ortodoxa Siriana, a Igreja Ortodoxa Siro-Malankar, a Igreja Católica Siro-Malabar e a Igreja Católica Siro-Malankar. Depois, outros grupos cristãos se estabeleceram a partir do século XVII à parte da Igreja da Índia, tais como Católicos Romanos, Anglicanos e Evangélicos. E foi em Calcutá que uma freira, Madre Tereza, da Igreja de Roma deu grande testemunho de Cristo, reconhecida pelo mundo inteiro.

O Caminho das Índias tocou a alma de nossa gente porque foi para ela que uma escritora resolveu endereçar sua obra. Isto nos faz lembrar que a obra de um artista não pode ser apenas um produto de consumo do lazer, do entretenimento e da estética. Mostra que por baixo de todo entulho de perversão com que vem se revestindo a sociedade, existe uma dimensão do ser que almeja outra realidade.

Está na hora do nosso povo se deixar sensibilizar pelo Caminho do Coração.



Pe. Mateus (Antonio Eça)




Bispos da Índia




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