A Fé Antiga e Perene Falando ao Mundo Atual: Temas Teológicos, Notícias, Reportagens, Comentários e Entrevistas à luz da Fé Ortodoxa.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Maria e o Milagre das Bodas de Caná





Para boa parte dos evangélicos se obstacula a compreensão do milagre das bodas de Caná, em virtude de uma tradução mal elaborada e infeliz do diálogo de Jesus com sua mãe: à obscura expressão grega (ti emoi kai soi, guinai), literalmente “que a mim e/também a ti, mulher”, várias edições protestantes apresentam a seguinte versão: “Mulher, que tenho eu contigo?”

Contudo, vozes lúcidas e honestas têm se levantado entre evangélicos em relação a este texto. Exemplo disto é o Comentarista Bíblico Evangélico americano, Pr. Dave Humpal, o qual em seu sitio de internet comenta versículo por versículo os livros do Novo testamento, e faz a seguinte observação à usual tradução evangélica do texto em questão:

“Os tradutores prestaram um grande desserviço ao traduzirem tal versículo, dando a entender que Cristo reprovava sua Mãe” (http://www.elite.net/~ebedyah/PastorsSite/gospels/john2-1-11.htm).  

Felizmente, algumas edições mais recentes de Bíblias Protestantes vêm se redimindo deste erro grotesco de tradução. Vejamos o texto de algumas versões em inglês e espanhol:


New American Bible
“Jesus said to her, Woman, how does your concern affect me? My hour has not yet come."
(Disse-lhe Jesus: No que sua preocupação me diz respeito? Minha hora ainda não é chegada).

New International Version 1984 (US)
"Dear woman, why do you involve me?" Jesus replied. "My time has not yet come."
(Cara Senhora, por que me envolves nisto? Replicou Jesus. Minha hora ainda não chegou).

New Revised Standard Version 1989
“And Jesus said to her, Woman, what concern is that to you and to me? My hour has not yet come."
(E Jesus lhe disse: Mulher, no que isto nos diz respeito?).

Reina-Valera 1995 (Espanhol) 
“Jesús le dijo: -- ¿Qué tiene que ver esto con nosotros, mujer? Aún no ha llegado mi hora.”
(Jesus lhe disse: O que isto tem a ver conosco, mulher? Minha hora ainda não chegou).

La Biblia de Las Americas 1986
“Y Jesús le dijo: Mujer, ¿qué nos va a ti y a mí en esto? Todavía no ha llegado mi hora".
(E Jesus lhe disse: Mulher, o que isto tem a ver conosco? Minha hora ainda não chegou).

New King James Version
“Jesus said to her, Woman, what does your concern have to do with Me? My hour has not yet come."
(Jesus lhe disse: Mulher, o que a sua preocupação tem a ver comigo? Minha hora ainda não chegou).

Em sua aversão ao Catolicismo Romano, o movimento evangélico – na tentativa de negar ou esvaziar a importância da Santa Virgem perante seu Filho – não avalia as consequências teológicas de tal postura:

Ao conceber indiferença e até descaso de Jesus para com Maria, nos faz pensar que Jesus estaria quebrando o primeiro mandamento com promessa: “Honra ao teu pai e a tua mãe”. É inconcebível que um filho de Israel (muito mais ainda Jesus) pudesse pensar numa relação fragmentada com seus familiares e antepassados, principalmente com seus genitores diretos. Nem mesmo a condição messiânica pode comportar tal ideia.

Quando em outra passagem Cristo pergunta: “Quem são minha mãe, meu pai e meus irmãos?” esta fala não é dirigida num colóquio direto com a sua Mãe, mas, sim, dirigida às multidões para ensinar os laços íntimos e familiares para com Ele de todo aquele que faz a vontade de Deus. Tal afirmativa, longe de negar a sublimidade da maternidade de Maria, antes, a ratifica, pois, se mãe e irmãos do Cristo é todo aquele que ouve e guarda a Palavra de Deus, quem melhor do que Maria se encaixa nesta condição? (Lucas 1:45; Apocalipse 12:17)

Portanto, a expressão “Mulher, que temos nós com isto? A minha hora ainda não é chegada” além de expressar melhor o sentido do texto grego, torna-se harmônica com a lógica da narrativa: 

Ora, Cristo, Maria e os Discípulos eram convidados e não anfitriões. Então, é lógico que este problema diz respeito aos organizadores da festa e não aos seus comensais. Naturalmente que Ele, Jesus, compreendeu que havia subjetivamente um pedido de sua Mãe para que Ele interviesse miraculosamente, e à esta intenção Ele contrapõe que ainda não era chegada a sua hora.

Pergunta-se: Se ainda não era chegada a hora do Messias manifestar os seus sinais ao mundo, por que então Ele a antecipa? A resposta está na natureza da oração quando praticada por um justo: ela é capaz de “alterar” os desígnios Divinos, sempre como um ato de graça e misericórdia.

Exemplo disto temos no livro do Profeta Isaías, no episódio da doença do rei Ezequias (Is. 38:1-5). O profeta é enviado ao palácio real levando consigo a seguinte mensagem: 

“Assim diz o SENHOR: Põe em ordem a tua casa, porque morrerás, e não viverás” (v. 1).

Ao ouvir tal sentença o rei se humilha e chora diante de Deus; pelo que o Senhor fala ao Profeta para retornar ao palácio e dizer a Ezequias que a sua oração foi ouvida e ele não mais morreria.

Assim, também, a Mãe de Deus ao sair da presença do seu Filho, dirige-se à presença dos serventes levando consigo a certeza de que o Filho lhe atenderia e, por isto lhes diz: 

“Fazei tudo quanto ele vos disser”. 

Ora, se Ele tinha se negado a intervir, o que teria, então, a ordenar aos serventes? Contudo, o Filho de Deus chama os serviçais e ordena-lhes que encham as talhas de água e, assim, opera o milagre da transmutação da água em vinho, fazendo com que a festa prosseguisse com mais cor e glamour do que as primeiras horas.

Pelas orações da Mãe de Deus os céus se moveram em favor dos homens e, como é característica própria sua, a Santa Virgem se retira de cena a fim de que a glória seja do seu Filho, o qual é Bendito pelos séculos dos séculos. Amém.

Portanto, desta forma, principia Jesus os seus sinais em Caná da Galileia “antecipando” a hora prevista desde a eternidade para dar início à sua missão. 

Este foi o primeiro sinal Messiânico de Jesus, e nele, também podemos ver o primeiro sinal da eficácia das intercessões da Theotokos (Mãe de Deus).

Um outro sinal, dado por Cristo, ainda maior do que este, é revelado ao Apóstolo João, o qual nos relata no Livro do Apocalipse:

"E viu-se um grande sinal no céu: uma mulher vestida do sol, tendo a lua debaixo dos seus pés, e uma coroa de doze estrelas sobre a sua cabeça.
E estava grávida, e com dores de parto, e gritava com ânsias de dar à luz.
E deu à luz um filho homem que há de reger todas as nações com vara de ferro; e o seu filho foi arrebatado para Deus e para o seu trono.
E a mulher fugiu para o deserto, onde já tinha lugar preparado por Deus, para que ali fosse alimentada durante mil duzentos e sessenta dias" (Apocalipse 12:1-2, 5-6).



Extraído do Livro “A Mãe de Deus na Espiritualidade do Oriente”,
Pe. Mateus (Antonio Eça), Clube dos Autores, 2007



3 comentários:

Padre Mateus disse...

Recebi do Rev. Ronaldo Ferreira Pinto, da Igreja Presbiteriana do Brasil, o seguinte comentário:

Embora escrevendo atrazado em relação a intervenção de Maria nas bodas de Caná da Galiléia, quero comentar do título de reconheconhecento que Ela porta consigo, a Theotokos.
Preirp, é bem verdade que os Reformadores do sec. XVI não desconheceram este fato decretado nos três primeiros Concilios da Igreja nascente, os Concilios de Efeso, Nicéia e Calcedonia, que por sinal de lá vem os primeiros docentos em forma de Profissão de Fé, o Credo Apostólico. Segumdo, tanto Lutero, Calvino, Farel, e outros Reformadores não romperam com o reconhecimento do titulo da Theotokos, pois se não divide as naturezas Divina e Humana de Jesus Cristo, a lógica comum é que de fato Ela venha a ser mãe do Deus que se fez homem para habitar no meio de nós. Lutero chega a compor um hino a Theotokos.Terceiro, nos dias atuais o que prevalece é um forte preconceito por desconhecerem, isto os néo-pentencostais, os fundamentalistas, e outros seguimentos cristãos, por achar que esta crença é algo da Igreja Latina. Na verdade o que deve acontecer é um estudo maior dos Documentos relacionados a Fé, Dogmas, Doutrinas que os Apostolos e Pais Pós Apostólicos em Concilios elaboraram e decretaram à Luz da Palavra Escrita e Vivencia, como verdades para a Igreja. Encerro escrevendo que, os meios de graças existem e não são monopolios de uma Igreja local, mas da Eterna Igreja glorificada de Cristo. Dá honra a quem merece honra é obedecer a voz de Cristo!
Este comentário é uma posição pessoal do autor que é formado em teologia e pos-graduado em psicologia da religião, também Pastor Presbiteriano.

Unknown disse...

Padre Mateus, a paz do Senhor Jesus. Sou evangélico e entendo que há exageros dos dois lados. No catolicismo temos Maria como co-redentora, advogada, etc., títulos que carecem de respaldo bíblico. No protestantismo há uma desvalorização para com essa serva do SENHOR. O bom senso é salutar. Maria e os demais personagens bíblicos (tais como os heróis da fé citados na carta aos Hebreus) são exemplos para nós. Com relação à Mariologia, há um artigo do Pe. Calmeiro Matias no qual vemos que o propulsor desses estudos é o devocionismo e não as Escrituras Sagradas. Por fim, sugiro que ao escrever artigos o senhor apresente as opiniões divergentes. Para Hipólito de Roma, apocalipse 12 refere-se à Igreja (corpo de Cristo). Que Deus o abençoe.

Padre Mateus disse...

Caro André Viana,
Paz em Cristo.

Primeiramente, obrigado por sua participação e forma tão educada de argumentação.

Infelizmente, a Fé Ortodoxa não é conhecida no Ocidente Cristão. Existem muitas peculiaridades que o faz bastante distinto de tudo aquilo que se conhece por cristianismo ocidental; no entanto, quando um Protestante ou um Romano mergulha em nossas tradições, tem a sensação de estar diante de algo muito estranho, mas, que ao mesmo tempo, estranhamente, se vê diante de tudo aquilo que no seu íntimo ele crer. E esta abordagem ao papel da Santa Theotokos (Maria) na economia da salvação e a devoção que envolve este mistério, é um bom exemplo disto. Por isto, em breve, com a graça de Deus, estarei publicando um livro para facilitar a compreensão dos cristãos Protestantes todo o ensino Ortodoxo sobre a Mãe de Deus. Certamente muitos ficarão surpresos das profundas raízes bíblicas de tais ensinamentos. textos bíblicos e seus significados que passam desapercebidos porque o instrumental com que se lê as Santas Escrituras não permitem tais percepções. É mais ou menos como um filme colorido que se é visto numa tv monocromática (preto e branco).

Assim, por exemplo, não adotamos esta postura de ver o ensinamento cristão como algo diverso, constituído de fragmentos, correntes, extremos ou equilíbrio entre os tais; para nós é tão somente "sim"ou "não". No entanto, no tocante à Virgem Maria, não existe nenhum dogma estabelecido, ou seja, a Santa Mãe de Deus nunca foi e nem é objeto de Fé na Igreja. Todo objeto de Fé na Igreja É a Santíssima Trindade. Roma, ao se afastar da comunhão com o Oriente, inseriu erroneamente dogmas ditos marianos (a Imaculada Conceição de Maria e a Assunção da Virgem Maria). A única afirmação dogmática que envolve a Santa Virgem é de que ela é Mãe de Deus, mas esta afirmação não tem como objeto a pessoa de Maria, e sim, a de Jesus, o Cristo, o Filho do Deus Vivo.

Todas as outras afirmações sobre Maria são percepções consensuais sobre o ensino apostólico expressados nas Sagradas Escrituras, meditados e experencializados. Neste contexto, um mestre pode divergir quanto ao significado de um texto bíblico, em particular, sem com isto, negar ou contradizer o arcabouço contextual. E é neste universo que se situa, não somente Hipólito de Roma, como também Santo André de Creta (os quais viam a mulher do Apocalipse, como sendo, em primeiro sentido, uma figura da Igreja). Mas, curiosamente, é exatamente são Hipólito o primeiro Pai da Igreja e elaborar uma liturgia na qual se destaca e se venera o papel de Maria na economia Divina. As fórmulas batismais e das celebrações eucarísticas, encontram na obra de Hipólito adendos que destacam e enaltecem a Mãe de Deus. Por isto, em nossas citações, falamos do que é consensual, e não de uma opinião particular (teologúmena), pois nos preocupamos em transmitir um ensino, e não em apresentar um mosaico.

Quanto à fala do Pe.Calmeiro Matias, só serve para mostrar o quanto a Igreja de Roma se afastou da verdadeira Tradição, ao ponto de haver entre seus clérigos, quem ignore completamente as bases de sua Fé e do pensamento original da Igreja.

Espero que vc tenha a oportunidade de ter acesso a um conteúdo mais detalhado sobre este assunto. Oro para que eu possa concluir o meu livro e assim poder contribuir para uma melhor assimilação da Fé Ortodoxa.

Fraternalmente,
Pe. Mateus

Fraternalmente,
Pe. Mateus