A Fé Antiga e Perene Falando ao Mundo Atual: Temas Teológicos, Notícias, Reportagens, Comentários e Entrevistas à luz da Fé Ortodoxa.

domingo, 20 de novembro de 2016

O Ensino Ortodoxo Sobre os Anjos



Anjos, Abençoados Mensageiros de Deus

Pelo Bispo Alexandre (Mileant)
Traduzido por Suzanna e Tatiana Boyko


Dois mundos: o Físico e o Espiritual

Nosso mundo estaria totalmente empobrecido em conteúdo se fosse constituido unicamente daquilo que podemos sentir e apalpar. Em um mundo assim concebido, sem passado e sem futuro, onde a morte vai ceifando todo empreendimento criativo, todo empenho para o bem e para a felicidade, a vida em si seria uma trágica contradição.

Entretanto, ao invés de se basear simplesmente nos sentidos do nosso corpo e ao fazer uso da razão e da espiritualidade, o homem pode alcançar muito mais percepção da profundidade e mistério que existem no mundo. Assim, ele poderá perceber que além do mundo físico ele está circundado por um imenso mundo espiritual. 

No final do século XIX e no início do século XX uma atitude materialista ridicularizou qualquer possibilidade de forma de vida diferente daquela que existe no nosso mundo. Entretanto, graças ao rápido progresso da ciência durante os últimos cinquenta anos, o homem moderno alargou consideravelmente o seu campo de entendimento. Agora é bem sabido que o universo que habitamos, apesar de vasto, ele não é infinito. A real representação do mundo tem sido imensamente espiritualizada. Os cientistas vieram a entender que a matéria não é dura, indivisível e imutável substância, mas uma das manifestações da energia. A energia pode tomar outras formas totalmente diferentes dos conhecidos átomos e moléculas.

Portanto, fora dos limites do mundo visível poderão existir outros mundos totalmente diferentes do nosso. Estas descobertas juntamente com os vôos espaciais, deram origem a uma grande e nova tendencia na literatura contemporânea e também na indústria cinematográfica que aborda encontros com seres de outras galáxias e outros mundos. Este interêsse com relação ao alienígena e do incomum, infelizmente costuma intervir com fantasias que não são saudáveis e que possuem um caráter semi-demoníaco. De qualquer forma está evidente a procura do homem moderno em direção ao alargamento dos conceitos sobre o mundo.

Ao invés das extravagâncias, das fantasias dos teósofos e espiritualistas, a fé cristã oferece ao homem contemporâneo uma doutrina precisa e saudável com relação ao mundo espiritual. A fé cristã nos ensina que, além do mundo físico existe um enorme mundo angelical. Os anjos, assim como os seres humanos, possuem intelecto, o livre arbítrio e sentimentos similares aos nossos, porém, eles são espíritos desprovidos de corpo. Na verdade o nosso mundo visível é tão somente uma gota no oceano da criação Divina.

A Natureza dos Anjos: Sua Hierarquia e Seus Serviços

Segundo as Sagradas Escrituras, os anjos, os seres humanos e toda a natureza foram criados por Deus. Nas palavras, "No princípio Deus criou o céu e a terra" (Gen.1:1), nós temos a primeira indicação de que Deus criou o mundo espiritual. Aqui, em contraste com a terra, o mundo da substância, este mundo dos espíritos é chamado Céu. Os anjos já estavam presentes durante a criação dos céus estrelados, o que está evidenciado nas palavras de Deus para Jó: 
"Quando as estrelas foram criadas, todos os Meus anjos entoaram cânticos de glorificação para Mim" (Jó 38:7).
Referindo-se à criação dos anjos, São Gregório o Teólogo expressa os pensamentos que seguem:
"Considerando que para a benevolência de Deus não era suficiente estar ocupado apenas com a contemplação de Si mesmo, era necessário que o bem se alastrasse cada vez mais, de forma que o número daqueles que recebessem a graça fosse o maior possível (porque esta é a característica da mais alta benevolência) - portanto, Deus planejou primeiramente o exército celeste dos anjos; e o pensamento se tornou dever, que foi completado pelo Verbo e tornado perfeito pelo Espírito... E como as primeiras criaturas agradaram-No, Ele planejou um outro mundo, material e visível, uma composição ordenada do céu e da terra e o que está entre eles."
Anjo no idioma grego significa "mensageiro". Este termo denota principalmente a sua relação para com o homem. Os anjos, como fossem nossos irmãos mais velhos, revelam a nós a vontade de Deus e assistem-nos para alcançarmos a salvação. O homem, desde o tempo do paraíso tinha conhecimento da existência dos anjos. Este fato está refletido nas muitas religiões antigas.

É difícil entendermos a vida dos anjos e o mundo onde vivem porque eles são muito diferentes de nós. É sabido que os anjos servem a Deus, levam a Sua mensagem e O glorificam. Como pertencem a um mundo espiritual normalmente são invisíveis para nós.
"Quando os anjos, através da vontade de Deus, aparecem aos justos, estes não os vêem na sua forma original mas transformados, tornados visíveis" - explica São João Damaceno. 
No conhecido livro de Tobias (Antigo Testamento), o anjo que acompanhou Tobias e o seu filho fala de si mesmo: 
"Vós me observáveis, eu não comia em realidade, mas em visão é que me julgáveis comer" (Tobias 12:19).
Segundo João Damaceno, 
"os anjos são chamados espirituais e não-corporeos quando comparados a nós. Na comparação com Deus tudo se torna grosseiro e material. Porque somente a Divindade é verdadeiramente não-material e não-corpórea.."
Anjos são superiores aos homens na força espiritual. Entretanto, mesmo estes, sendo seres criados, carregam em si a marca das limitações. Desprovidos de corpo, são menos dependentes que os homens no tempo e no espaço. Entretanto, somente Deus é onipotente e onisciente. As Sagradas Escrituras representam os anjos, ora descendo do céu para a terra ora ascendendo de volta para o céu. Anjos foram criados imortais, como testemunham as Escrituras, ensinando que os anjos não morrem: 
"E já não podem morrer outra vez, porque são iguais aos anjos e filhos de Deus, sendo participantes da Ressurreição" (Lucas 20:36). 
Mesmo assim, a sua imortalidade não é própria de sua natureza nem é incondicional, mas tal qual a imortalidade das nossas almas, depende inteiramente da vontade e da misericordia de Deus.

Como são desprovidos de corpo, os anjos são capazes de um autodesenvolvimento interior até um altíssimo nível. O seu intelecto é superior ao do homem. Pela sua força e poder, como explica o apóstolo Pedro, eles superam todas as autoridade terrenas e governos (2 Pedro 2:11). Não obstante os seus altos atributos eles tem seus limites. As Escrituras mostram que os anjos desconhecem a profundidade da essencia Divina, que é somente do conhecimento do Espírito de Deus (1 Corintios 2:11). Eles desconhecem o futuro, que é tão somente do conhecimento Divino (Marcos 13:32). Da mesma forma, eles não tem compreensão plena dos mistérios da redenção onde almejam penetrar (1 Pedro 1:12). Nem mesmo tem conhecimento dos pensamentos do homem (1 Reis 8:39). Finalmente, por eles mesmos eles não tem poder de fazer milagres sem a vontade de Deus.

Nas Sagradas Escrituras o mundo dos anjos é representado como extraordinariamente vasto. Quando o profeta Daniel viu Deus Pai, ele também viu que "milhares de milhares serviam-No e dez mil vezes dez mil se postaram diante Dele" (Daniel 7:10). Durante o nascimento de Jesus em Belém "de repente, ajuntou-se ao anjo uma multidão do exército celeste, que louvava a Deus" (Lucas 2:13).

São Cirilo de Jerusalém diz o seguinte:
"Imagine como é numerosa a população romana, imagine como são numerosas as tribos bárbaras que hoje existem e quantos deles morreram durante cem anos, imagine quantos foram enterrados durante mil anos, imagine todo o povo começando por Adão até o presente dia, existe uma grande multidão. Mesmo assim é ainda pequena quando comparada aos anjos, que são muitos mais! Eles são noventa as noventa e nove ovelhas da parábola enquanto que a humanidade é apenas uma ovelha. A terra inteira habitada por nós é como um ponto no céu e mesmo assim contem uma imensa multidão; que numerosa multidão existe no céu... Está escrito que milhares de milhares serviram-No, e dez mil vezes dez mil se postaram diante Dele, isto porque o profeta não soube expressar um número maior."
Considerando tamanha multidão de anjos, é evidente que supomos, como acontece no mundo material, há vários graus de perfeição e portanto, vários estágios de hierarquia das forças celestes. Assim, a palavra de Deus chama uns de Anjos e outros de Arcanjos (1 Tess. 4:16; Jud. verso 9).

A Igreja Ortodoxa, guiada pela orientação dos antigos escritores e Pais da Igreja, divide o mundo dos anjos em nove níveis de anjos e estes nove em tres hierarquias, cada uma delas tendo tres níveis. A hierarquia mais alta consiste daqueles que estão mais próximos a Deus que são, os Tronos, Querubins e Serafins. Na segunda hierarquia estão as Dominações, Poderes e Autoridades. Na terceira, que está mais próxima a nós, estão os Principados (Soberanias), Arcanjos e Anjos. Assim, a existência dos Anjos e Arcanjos é testemunhada por quase todas as páginas das Sagradas Escrituras. Os livros dos profetas fazem menção aos Querubins e Serafins. Os outros níveis são mencionados pelo Apóstolo Paulo na sua epístola aos Efésios, dizendo que Cristo nos céus está "acima de todo Principado, Poder, Virtude, Dominação e acima de todas e qualquer outra dignidade que possa existir neste mundo ou no mundo que há de vir" (Efésios 1:21).

Além dos níveis angelicais, São Paulo nas epístolas aos Colossenses nos ensina que o Filho de Deus criou tudo, o visível e o invisível, "Tronos, Autoridades, Soberanias, Poderes" (Col. 1:16). Consequentemente quando juntamos os Tronos aos outros quatro sobre os quais o Apóstolo fala aos Efésios, (Soberanias, Autoridades, Poderes e Dominação) completam-se cinco níveis; e a estes adicionamos "Anjos, Arcanjos, Querubins e Serafins", aí temos nove níveis.

Além do mais, alguns Pais da Igreja são de opinião que dividindo-se os anjos em nove categorias, isto concerne apenas aqueles nomes que nos são revelados pela palavra de Deus e não englobam outros nomes de categorias que ainda não foram reveladas. Por exemplo o apóstolo João, o Teólogo menciona no livro da Revelação criaturas misteriosas e os sete espíritos junto ao trono de Deus:
"A vós, graça e paz da parte daquele que é, que era e que vem, da parte dos Sete Espíritos que estão diante do seu Trono" (Apocalipse 1:4).
O Apóstolo Paulo na sua epístola aos Efésios escreve que Cristo habita no céu muito além dos anjos enumerados e "todo nome que é chamado, não tão somente neste tempo mas também no tempo que virá." Assim ele insinua que no Céu existem outras criaturas espirituais cujos nomes ainda não foram revelados à humanidade.

Nas Sagradas Escrituras alguns anjos são chamados pelos seus nomes próprios. Por exemplo o profeta Daniel, o apóstolo Judas e livro da Revelação mencionam o Arcanjo Miguel (Josué 5:13, Daniel 10:13 e 12:1) Judas verso 9, Revelação 12:7-8). O nome Miguel em hebraico significa "Aquele que é como Deus". Nas Sagradas Escrituras ele é mencionado com o exército de Deus e é descrito como o principal lutador contra o diabo e seus servos. Costuma-se representá-lo segurando uma espada flamejante. O nome Gabriel significa "Força de Deus". Tanto o profeta Daniel como o evangelista Lucas mencionam Gabriel (Daniel 8:16, 9:21; Lucas 1:19-26). Nas Sagradas Escrituras ele é representado como mensageiro dos mistérios de Deus. Nos ícones ele é pintado com um lírio na mão. As Sagradas Escrituras mencionam pelo nome mais três anjos: Rafael - "Socorro de Deus", Uriel - "Fogo de Deus" e Salatiel - "Aquele que Ora a Deus" (Tobias 3:16 e 12:12-15; 3 Esdras 4:1 e 5:20; Esdras 5:16).

A quê são designados os seres do mundo espiritual? Certamente eles são designados por Deus a refletir o mais perfeito reflexo de Sua magnitude e glória com a inseparável participação na Sua Graça. Se, sobre o céu visível é dito, "os céus proclamam a glória de Deus" tanto mais é o objetivo do mundo espiritual. O profeta Isaías teve a graça de vislumbrar "o Senhor sobre um elevado Trono, Seu manto enchia o santuário; serafins mantinham-se sobre ele, tendo cada um seis asas; duas para cobrir a Face, duas para cobrir os pés; e duas para voar. E clamavam uns aos outros, dizendo: 'Santo, Santo, Santo é o Senhor dos exércitos'. Sua Glória enche toda a terra." Isaias 6:1-4; Ezequiel cap. 10).


Anjos Decadentes



Deus criou todos os anjos como seres celestes benevolentes. Entretanto, como os humanos, foram seres dotados de livre arbítrio, poderiam fazer a escolha entre obedecer ou se opor a Deus, optar pelo bem ou pelo mau. Alguns deles, liderados por Lúcifer, um dos mais próximos de Deus, usou de sua liberdade e se rebelou contra Deus. Eles foram expulsos do céu e estabeleceram o seu próprio reino - o inferno. Lúcifer, que significa portador da luz foi renomeado para Satã, que significa antagônico. Ele também é chamado diabo (que significa caluniador), a serpente, e o dragão. As palavras do Salvador, "Eu vi Satã, descaído do céu como um dardo de relâmpago," se referem ao fato pré-histórico, a rebelião de Lúcifer e os outros anjos contra Deus. Isto é descrito no livro da Revelação com os seguintes detalhes:
"Houve uma batalha no céu: Miguel e seus anjos guerrearam contra o dragão. O Dragão e seus anjos combateram, mas não conseguiram vencer. Nem se encontrou mais o seu lugar no céu. O Grande Dragão, antiga serpente, chamado Diabo e Satanás, o sedutor do mundo inteiro, foi derrubado e seus anjos foram atirados com ele na terra" (Apocalipse 12:4).
Das palavras iniciais do capitulo 12 do livro da Revelação, onde é dito que o dragão seduziu um terço das estrelas no céu, alguns concluem que neste tempo Lúcifer seduziu um terço dos anjos existentes. Estes anjos descaídos são chamados demônios.

Tornando-se malévolos, os anjos decadentes tentam seduzir os homens ao caminho do pecado e assim levá-los à perdição. É estranho notar que os anjos decadentes temem o reino por eles criado, o inferno ou o abismo. De fato, quando Jesus Cristo Salvador curou o homem possesso pelos demônios e quis mandá-los de volta ao inferno eles imploraram para entrar no rebanho de porcos (Lucas 8:31). O Salvador chama o demônio de "assassino desde o início e o pai das mentiras" tendo-se em mente aquele momento no qual tomando a forma de serpente ele enganou os nossos antecessores Adão e Eva para que quebrassem o mandamento de Deus e com isto privando-os da vida eterna (Gênesis 3:1-6; João 8:44). 

A partir deste momento - ganhando poder para influenciar pensamentos, sentimentos e atos dos homens - o diabo e seus demônios almejam mover os homens cada vez mais fundo em direção ao atoleiro do pecado no qual eles mesmos se afogaram:
"Aquele que peca vem do diabo, porque o diabo ele mesmo pecou primeiro.... "Todo aquele que comete um pecado é um escravo do pecado" (1 João 3:8; João 8:34).
A presença do dos maus espíritos entre nós apresenta um constante perigo. Por isso que o Apóstolo Pedro conclama-nos:
"Sejam sóbrios e alertas, porque o vosso inimigo, como um leão que ruge, está à procura de alguém para devorar" (1 Pedro 5:8).
Similarmente o Apóstolo Paulo se expressa: 
"Revesti-vos da armadura de Deus para que possais resistir as ciladas do Diabo, pois, não temos que lutar contra a carne e o sangue mas contra os principados, as potestades, os dominadores deste mundo e os espíritos malignos dos ares" (Efésios 6:11-12).
A partir destas advertências que estão nas Sagradas Escrituras, estamos sempre cientes de que a nossa vida representa uma persistente batalha para a salvação de nossa alma. Queira ou não, todo o ser humano desde a mais tenra infância está sujeito a optar entre o bem e o mau, entre a vontade de Deus e do demônio. A batalha entre o bem e o mau se iniciou mesmo antes da criação do mundo e assim continuará até o dia do Juízo Final. Na verdade a batalha no céu já terminou, com a completa derrota do mau. Mas o campo de batalha se transferiu para o nosso mundo, mais precisamente em nossas mentes e corações. Como veremos adiante, os anjos bons, especificamente o nosso Anjo da guarda, nos socorrem ativamente na nossa batalha contra o mau.


Campo de Ação dos Anjos em Relação ao Homem


Em contraste com os espíritos maléficos, os anjos bons sentem compaixão por nós e com frequência nos protegem e nos ajudam. Quanto a isso o Apóstolo Paulo escreve:
 
"Não são eles por acaso os espíritos enviados a serviço, por causa daqueles que herdarão a salvação?" (Hebreus 1:14).

As Sagradas Escrituras tem fartas narrativas com relação à ajuda dos anjos. Daremos apenas alguns exemplos:
 
Abraão enviou seu servo a Nahor, convencendo-o que o Senhor enviaria com ele Seu Anjo e iria possibilitar uma favorável jornada.
  
Dois anjos salvaram Ló e sua família na fuga da cidade de Sodoma destinada a ser destruída. 
 
O patriarca Jacó, retornando para o seu irmão Isaú, foi encorajado por uma visão onde aparecia uma multidão de anjos. Pouco antes de sua morte, enquanto abençoava seus netos Jacó disse a José: "Um anjo que me redimiu de todo o mal abençoará estas crianças." 

Um anjo contribuiu para a saida dos hebreus para fora do Egito. Um anjo ajudou Josué durante a conquista da Terra Prometida. Um anjo ajudou os juizes hebreus a repelir os inimigos. Um anjo salvou os habitantes de Jerusalém da morte certa quando a armada assíria de 185.000 homens cercou a cidade. Um anjo salvou três adolescentes quando estes foram jogados dentro de uma fornalha incandescente e mais tarde salvou o Profeta Daniel quando este foi jogado aos leões (Gen. 32:1-2 e 48:16; Êxodo 14:19 a 23:20; Josué 5:13-14; Juízes 2:1 e 13:3; Isaías 37:37; Daniel 3:49, 6:22).

Aparições de anjos ao homem são constantemente revelados no Novo Testamento:
 
Um anjo anunciou a Zacarias a concepção de São João Batista. Um anjo anunciou à Puríssima Virgem Maria a concepção do Salvador e apareceu em sonho a José. Uma multidão de anjos louvou e glorificou o nascimento de Cristo e um anjo anunciou a boa nova do nascimento de Cristo aos pastores e evitou o retorno dos mensageiros de Herodes. 

Com a vinda do Filho de Deus as aparições de anjos se tornaram mais frequentes, um fato que o Nosso Senhor profetizou aos Apóstolos, dizendo que dali em diante o céu se abriria e que eles, os apóstolos, iriam ver "os anjos ascendendo e descendendo para o Filho do Homem." 

Certamente os anjos serviram Jesus Cristo durante as tentações no deserto e um anjo veio fortalece-Lo no Jardim de Getsêmane. 

Anjos anunciaram às piedosas mulheres de Sua Ressurreição e aos apóstolos, por ocasião da Ascenção de Cristo da Sua vinda à terra pela segunda vez. 

Um anjo libertou os apóstolos de prisão, bem como o apóstolo Pedro que tinha sido condenado à morte. 

Um anjo apareceu a Cornélio e instruiu-o chamar o apóstolo Pedro para que ele, Pedro, instruísse Cornélio na palavra de Deus (João 1:51; Atos 5:19, 12:7-15 e 10:37).

Nosso Senhor Jesus Cristo por diversas vezes fez menção aos anjos:
 
Segundo Suas palavras os anjos conduziram a alma de Lázaro o mendigo ao seio de Abraão. (Lucas 16:22).
 
O arrependimento de um pecador já é motivo de júbilo para os anjos. (Lucas 15:10).
 
Eles virão com Ele antes do final dos tempos e irão separar os justos dos pecadores (Mateus 13:39-41, 16:27).
 
Ao observar as recomendações de Nosso Senhor Jesus Cristo e através de muitos exemplos bíblicos e do nosso dia a dia percebemos que os anjos agem sempre com bondade no atendimento do bem e da salvação dos homens. (Lucas 16:22 e 15:10 - Mateus 13:39-41, 16:27 e 25:3-31).

Ao mesmo tempo, os anjos estão totalmente devotados a Deus. Quando o homem transgride as leis de Deus um anjo o detém e até o castiga.
 
Por exemplo, por ocasião da expulsão dos pecadores do paraíso, o Querubim ficou de guarda na porta do Paraiso empunhando uma espada de fogo.
 
Um anjo com uma espada se postou diante do profeta Balaão para detê-lo de sua má intenção.
 
Um anjo golpeou Herodes na Cesaréia por causa de seu orgulho. (Atos 12:23).
 
O Livro das Revelações nos fala dos anjos que castigaram os pecadores (Apocalipse 8-19). É importante observar que o castigo aqui tem um propósito de benevolência: para que os pecadores se conscientizem do seu pecado e se arrependam e para direcioná-los a se voltarem a Deus (Gênesis cap.3, nr. 22:23, Atos 12:23, Revel. cap 8-19 e 16:11).

Na verdade os anjos, pela vontade de Deus, participam na vida de todas as nações de uma maneira muito mais intensa do que supomos. Através da visão do profeta Daniel, é sabido que existem anjos a quem Deus confiou o destino de povos e nações da terra (Daniel 10-12). Sobre isto os santos Pais da Igreja expressaram os seguintes pensamentos: 
"Alguns deles (anjos) se postam diante do Grandioso Deus, outros, através de seu empenho sustentam o mundo inteiro" (São Grégório o Teólogo - "Hinos Místicos," Homilia 6).
Desde os tempos antigos tem sido costume da Igreja se dirigir aos anjos através de orações. Mesmo no Antigo Testamento, os hebreus tinham no topo da Tábua dos Dez Mandamentos e mais tarde no Santo dos Santos, imagens de Querubins. Os hebreus costumavam rezar diante deles. Foi entre estes dois Querubins que Deus falou a Moisés. Os anjos se manifestam como portadores da santidade de Deus; por isto foi ordenado a Josué quando apareceu um anjo: 
"Tire as suas sandálias dos pés porque o lugar que estais pisando é santo" (Êxodo 25:18-22; 1 Reis 6:23; Josué 5:15).

O Anjo da Guarda

Mateus 18:10
"Um Anjo da paz, fiel guia e guardião de nossas almas e corpos..." assim rezamos durante as liturgias. A Igreja Ortodoxa acredita que toda a criança recebe de Deus um Anjo da Guarda. Nosso Senhor Jesus Cristo disse: 
"Estejam atentos e não desprezem nenhum destes pequeninos; pois Eu vos digo, os seus anjos sempre vêem a face do Meu Pai no céu" (Mateus 18:10).
O abençoado Agostinho escreve: 
"Os anjos estão conosco em toda hora e todo lugar, com muita atenção e incansável empenho nos auxiliam e preveem nossas necessidades e se portam como mediadores entre nós e Deus e elevando a Ele nossos gemidos e suspiros... acompanhando-nos nas nossas viagens eles vão e voltam conosco atentos e observadores do nosso comportamento se estamos sendo honestos e honrados em meio à maldade que nos cerca e observando a nossa intenção no empenho da salvação eterna." 
Um pensamento similar é expresso por São Basílio, o Grande: 
"Todo aquele que tem fé tem um anjo, que, como um orientador para a criança direciona sua vida." 
E, para confirmar isto ele faz menção do Salmo que diz sobre Deus que: "pois a seus anjos Deus ordenará em teus caminhos todos te guardarem" (Salmo 90:11, Salmo 33:8). 
O Bispo Teófanes, o Recluso, instrui em uma de suas cartas: 
"Devemos nos lembrar que temos um Anjo da Guarda e procurá-lo em nossos pensamentos e corações. Isto é bom nos tempos pacíficos e especialmente durante as tempestades. Quando falta este contato ele não tem como influenciar-nos. Por exemplo se alguém se aproxima de uma areia movediça ou um abismo de olhos e ouvidos vedados, como poderá receber auxilio? 
Assim o cristão deverá lembrar-se de seu bom anjo, que no decurso de sua vida inteira se preocupa com ele, se alegra pelo seu aprimoramento espiritual e sofre com as suas recaídas. Quando o cristão morre seu anjo conduz sua alma a Deus. Ao se transportar ao mundo espiritual, segundo muitos relatos, a alma vem a conhecer o seu Anjo da Guarda."

Segue uma curta oração da manhã ao nosso Anjo da Guarda (extraido do Livro de orações russo):
Anjo de Deus, meu santo protetor, que me foi enviado por Deus para minha proteção, fervorosamente eu lhe imploro: me ilumine e me preserve de todo o mal, me oriente nas boas ações e me direcione no caminho da salvação. Amém.


Falsos Anjos


Dr. Steven Buchnell


O início dos anos 90 se caracterizou por uma invasão de literatura sobre os anjos. Muitos destes livros contém relatos tocantes sobre o papel dos anjos na salvação de almas no dia a dia de suas vidas. Todos estes livros recomendam uma postura de abertura e confiança para com os anjos e aceitação de sua boa influência. Muitos destes autores encorajam uma vida centrada nos anjos e a confiança de sua influência e ao mesmo tempo advertem que as vezes anjos tem um comportamento diferente e tomam aparência não-angelical.

Neste ponto quase todos estes autores se calam quanto a um aspecto muito importante deste tema ou seja, que o diabo e sua legião de demônios, anjos decadentes, que estão aptos a mascarar-se em anjos luminosos para destruir as almas. Desde as cartas de São Paulo (2 Cor. 11:14) até os tempos modernos, os documentos da Igreja descrevem como estes anjos decadentes se mascaram não somente em anjos luminosos mas também em santos, Nossa Senhora Virgem Maria e Cristo.

Por exemplo, no seu discurso sobre a importância em discriminar anjos, São João Cassiano conta como um monge causou sua própria morte e como, em outra ocasião, outro monge estava preparado para matar seu próprio filho. Em ambos os casos demônios disfarçados em anjos eram a causa de tudo (Filokalia vol I). 

Em outra ocasião e em outro lugar, nas cavernas de Kiev, é registrado que um jovem monge de nome Nicetas, reverenciou um anjo que tinha lhe dito não gastar tempo em orações, o que seria feito por ele, isto é, pelo próprio anjo, e que seria mais prioritário para Nicetas investir em leitura. Enquanto que o pseudo anjo rezava, Nicetas se tornou vidente. Em pouco tempo ele passou a não querer mais ouvir sobre o Evangelho, ao invés disso preferindo se aprofundar no Antigo Testamento. Finalmente os colegas monges perceberam que ele estava possesso pelo demônio, conseguiram recuperá-lo através de oração. Nicetas se arrependeu, e, pela graça de Deus, mais tarde veio a ser ordenado bispo da cidade de Novgorod, um pastor para seu rebanho e autor de milagres. Conhecemo-lo como São Nicetas, o Recluso.
"Tomai cuidado com os falsos profetas. São os que chegam perto de vós sob a aparência de ovelhas mas por dentro, de fato, são lobos vorazes" (Mateus 7:15-16). "Pelo contrário, eis o fruto do espírito; caridade, alegria, paz, paciência, gentileza, bondade, fidelidade, doçura, autodominio, contra tais coisas não existe lei" (Gal.5:22-24).
Para colocar em prática estas palavras de Cristo e São Pedro, torna-se muito difícil para nós identificar anjos verdadeiros dos demônios disfarçados, em vista da nossa fragilidade humana, que é o nosso estado de pecado, a nossa auto-ilusão à qual nos permitimos conscientemente; e por outro lado, os milhares de anos de experiência do inimigo do homem e de Deus. Através do exemplo destes monges, que eram pessoas que dedicaram por inteiro suas vidas a Deus, vemos que nem estes estão isentos de serem enganados pelo demônio. 

Os Santos Pais da Igreja, sábios pela graça do Espírito Santo, com muito amor nos procuram convencer de que o melhor caminho é rezar e procurar a humildade e a orientação de um pai espiritual. Eles são enfáticos em nos alertar a sermos cautelosos e questionar com rigor e procurar um pai espiritual experiente, quando acontecem estas visões. Quando temos dúvida, mesmo pequena, sobre a procedência, é preferível dizer, "eu não sei se é verdadeiro," e colocar o assunto de lado ou simplesmente rejeitá-lo e não procurar visões ou sensações de beatitude, mas rezar e pedir proteção a Deus. Se a visão for verdadeira, procedente de Deus, Deus nos ajudará e os anjos se alegrarão com a nossa humildade e sobriedade. (Veja a Filokalia, vol I, III e IV da edição inglesa para alguns assunto pertinentes). Resumindo, o que os Santos Pais da Igreja nos falam é muito diferente do que falam os autores dos livros populares de hoje.

O demônio mente, calunia, e provoca confusão; e para atingir seu objetivo ele irá mentir para nós, não somente através de palavras, mas, de disfarces de qualquer tipo. Qualquer fenômeno sobrenatural que é motivo de confusão e distração (os chamados sequestros por alienígenas como um exemplo atual) poderá ser um tipo destes disfarces.


terça-feira, 18 de outubro de 2016

Diálogo entre as Igreja Ortodoxas e Romanas


A reunião da Comissão Mista Internacional para o Diálogo Teológico entre a Igreja Católica Romana e a Igreja Ortodoxa, realizada em Chieti, Itália, nos dias 16-21 de setembro deste ano, que de deu continuidade ao debate sobre o tema "Sinodalidade e Primazia Durante o Primeiro Millennium," gerou entusiasmo entre quase todas as Igrejas Ortodoxas (a Igreja da Geórgia teve ressalvas).

Uma nota no site do Patriarcado de Moscou, disse que o consenso foi alcançado, contudo, o Metropolita Hilarion de Volokolamsk, presidente do Departamento de Relações externas Patriarcado de Moscou, alertou aos membros da Comissão que "a existencia das Igrejas Orientais Católicas  (Uniatas) ainda constitui Uma pedra de tropeço nas relações Ortodoxo-Católicas".

Estamos publicando o texto firmado na íntegra, a fim de que os apreciadores do tema, possam avaliar e comentar.



Reunião da Comissão Mista Internacional para o Diálogo Teológico entre a Igreja Católica Romana e a Igreja Ortodoxa.SINODALIDADE E PRIMAZIA DURANTE O PRIMEIRO MILLENNIUM: PARA UM ENTENDIMENTO COMUM NO SERVIÇO À UNIDADE DA IGREJA   
Chieti, 21 de setembro de 2016  
"Nós vos anunciamos o que vimos e ouvimos, para que vós também possais ter comunhão (koinonia) conosco; ora, a nossa comunhão (koinonia) é com o Pai e com Seu Filho Jesus Cristo. Estamos escrevendo estas coisas para que a nossa alegria seja completa” (1 Jo 1: 3-4).  
1. A comunhão eclesial surge diretamente da Encarnação do Verbo Eterno de Deus, conforme a boa vontade (eudokia) do Pai, por meio do Espírito Santo. Cristo, tendo vindo à terra, fundou a Igreja como Seu corpo (cf. 1 Cor 12, 12-27). A unidade existente entre as Pessoas da Trindade se reflete na comunhão (koinonia) dos membros da Igreja uns com os outros. Tal como São Máximo, o Confessor, afirmou, a Igreja é uma "eikon”[1]da Santíssima Trindade[2]. Na Última Ceia, Jesus Cristo orou ao Pai: "Guarda em Teu Nome aqueles que me destes, para que eles sejam um, como Nós Somos Um" (Jo 17:11). Esta unidade trinitária é manifestada na Santa Eucaristia, na qual a Igreja reza a Deus Pai por meio de Jesus Cristo, no Espírito Santo.  
2. Desde os primeiros tempos, a Igreja una tem existido como muitas igrejas locais. A comunhão (koinonia) do Espírito Santo (cf. 2Cor 13,13) era experimentada por cada Igreja Local, tanto internamente bem como nas relações entre si: Uma unidade na diversidade. Sob a direção do Espírito (cf. Jo 16,13), a Igreja desenvolveu padrões de ordem e de várias práticas, em conformidade com a sua natureza como “povo trazido da unidade para a unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.[3]  
3. Sinodalidade é uma qualidade fundamental da Igreja como um todo. Como disse São João Crisóstomo: “‘Igreja’ tanto significa ‘reunião’ (systema) como também ‘sínodo’ (Synodos).[4]  O termo vem da palavra “concílio" (“synodos” em grego, “concilium” em latim), o que primariamente denota uma reunião de bispos, sob a orientação do Espírito Santo, para a deliberação comum e ação no cuidar da Igreja. Em termos gerais, refere-se à participação ativa de todos os fiéis na vida e na missão da Igreja.  
4. O termo “primazia” refere-se à condição de ser o primeiro (Primus, Protos). Na Igreja, a primazia pertence à Sua Cabeça - Jesus Cristo, “que É o Princípio, o Primogênito dos mortos; para que em todas as coisas Ele tenha a preeminência (protevon)" (Col. 1:18). A Tradição Cristã deixa claro que, dentro da vida sinodal da Igreja, em vários níveis, um bispo tem sido reconhecido como o "primeiro". Jesus Cristo associa a condição de ser o “primeiro” ao ato de servir (diakonia): "Quem quiser ser o primeiro, seja o último de todos e o servo de todos" (Mc 9,35).  
5. No segundo milênio, a comunhão entre Oriente e Ocidente foi quebrada. Muitos esforços têm sido feitos para restaurar a comunhão entre Católicos e Ortodoxos, mas, que não foram bem-sucedidos. A Comissão Mista Internacional para o Diálogo Teológico entre a Igreja Católica Romana e a Igreja Ortodoxa, no curso do seu trabalho para superar divergências teológicas, vem considerando a relação entre sinodalidade e primazia na vida da Igreja. Diferentes entendimentos sobre estas realidades desempenharam um papel significativo na divisão entre Ortodoxos e Católicos. É, portanto, essencial procurar estabelecer um entendimento comum das inter-relações e complementariedades inseparáveis desta realidade.  
6. A fim de atingir esse entendimento comum do primado e sinodalidade, faz-se necessário refletir sobre a história. Deus Se revela na história. Isto é particularmente importante para realizar uma leitura teológica em conjunto da história da liturgia, espiritualidade, instituições e cânones da Igreja, os quais sempre têm uma dimensão teológica.  
7. A história da Igreja no primeiro milênio é decisiva. Durante esse tempo, apesar de certas rupturas temporárias, os cristãos do Oriente e do Ocidente viviam em comunhão, e, é nesse contexto, que as estruturas essenciais da Igreja foram constituídas. A relação entre a sinodalidade e a primazia obteve várias formas, as quais podem ser de vital orientação para Ortodoxos e Católicos em seus esforços para restaurar a plena comunhão hoje.  
A Igreja Local  
8. A Una, Santa, Católica e Apostólica Igreja, da qual Cristo É a cabeça, está presente na synaxis[5] eucarística de uma Igreja local sob o seu bispo. Ele é o único que a preside (o “proestos”). Na synaxis litúrgica, o bispo torna visível a presença de Jesus Cristo. Na igreja local (ou seja, em uma diocese), todos os fiéis e o clero sob um bispo, estão unidos uns aos outros, em Cristo; e estão em comunhão com bispo em todos os aspectos da vida da Igreja, sobretudo na celebração da Eucaristia. Como Santo Inácio de Antioquia ensinou: “onde o bispo está, aí está o povo, assim como, onde Jesus Cristo está, aí está a Igreja Católica [katholike ekklesia]”[6].  Cada igreja local celebra em comunhão com todas as outras igrejas locais que confessam a fé verdadeira e celebram a mesma Eucaristia. Quando um presbítero preside a Eucaristia, o bispo local é sempre comemorado como um sinal da unidade da Igreja local. Dentro a Eucaristia, o proestos e a comunidade são interdependentes: a comunidade não pode celebrar a Eucaristia sem um proestos, e os proestos, por sua vez, devem celebrar com a comunidade.  
9. Esta inter-relação entre o proestos (ou bispo) e a comunidade, é um elemento constitutivo da vida da Igreja local. Juntamente com o clero que está associado com o seu ministério, a atuação do bispo local em meio aos fiéis, que são o rebanho de Cristo, consiste em resguardar e servir a unidade. Como sucessor dos Apóstolos, ele exerce a sua missão como aquele que serve e ama, pastoreando a sua comunidade; e, como sua cabeça, guiando-a cada vez mais à unidade com Cristo na verdade, mantendo a fé apostólica pela pregação do Evangelho e celebração dos sacramentos.  
10. Uma vez que o bispo é a cabeça de sua igreja local, ele representa sua igreja perante as outras igrejas locais, e na comunhão de todas as igrejas. Da mesma forma, ele faz que tal comunhão se faça presente em sua própria igreja. Este é um princípio fundamental da sinodalidade.  
A Comunhão Regional das Igrejas  
11. Há abundante evidência de que os bispos na Igreja primitiva estavam conscientes de possuírem uma responsabilidade partilhada para com a Igreja como um todo. Tal como disse São Cipriano: "Embora haja um só episcopado, contudo, ele é repartido entre a numerosa falange dos bispos em harmonia”[7]. Este vínculo de unidade foi expresso na exigência de que pelo menos três bispos devem tomar parte na ordenação (queirotonia)[8] de um novo bispo[9], e isto tornou-se, também, evidente nos vários encontros dos bispos - em concílios ou sínodos - para discutirem comunitariamente os problemas de doutrina (dogma, didaskalia) e prática; e nas suas frequentes trocas de cartas e visitas mútuas.  
12. Já durante os primeiros quatro séculos, vários grupos de dioceses emergiram dentro de determinadas regiões. O protos, o primeiro entre os bispos da região, era o bispo mais eminente; a metrópole - e a função de metropolita - estavam sempre atreladas ao mais eminente. Os concílios ecumênicos atribuíram certas prerrogativas (presbeia, pronomia, dikaia) ao metropolita, sempre no âmbito da sinodalidade. Assim, o Primeiro Concílio Ecumênico (Nicéia, 325), enquanto exige a participação pessoal de todos os bispos de uma província (ou concórdia expressa por escrito a uma eleição e consagração episcopal) - ato sinodal por excelência - atribuiu ao metropolita a validação (Kyros) da eleição de um novo bispo.[10] O Quarto Concílio Ecumênico (Calcedônia, 451) evocou novamente os direitos (dikaia) do metropolita - insistindo em que este ofício é eclesial, e não politico[11]. Assim, também, o fez o sétimo Concílio Ecumênico (Nicéia II, 787).[12]  
13. O Canon Apostólico 34 oferece uma descrição canônica da correlação entre os protos e os outros bispos de cada região: "os bispos do povo de uma província ou região [etnia] deve reconhecer aquele que é o primeiro (protos) entre eles, e considerarem que ele é a cabeça (kephale), e nada de importante podem fazer sem o seu consentimento (gnome); cada bispo só pode decidir o que diz respeito à sua própria diocese (paroikia) e seus territórios dependentes. E os primeiros (protos] não podem fazer nada sem o consentimento de todos. Desta forma, se estabelece a concórdia (homonoia) e a vontade Deus será louvada por meio do Senhor no Espírito Santo.[13]  
14. A instituição Metropolitana é uma forma de comunhão regional entre as Igrejas locais. Posteriormente outras formas foram desenvolvidas, nomeadamente os patriarcados, os quais compreendem várias metrópoles. Tanto um metropolita, bem como um patriarca, eram bispos diocesanos com plenos poderes episcopais dentro de suas próprias dioceses. Em assuntos relacionados às suas respectivas metropolias ou patriarcados, no entanto, tiveram que agir de acordo com seus colegas bispos. Esta forma de agir está na raiz das instituições sinodais, no sentido estrito do termo, como um sínodo regional dos bispos. Estes sínodos foram convocados e presididos pelo metropolita ou patriarca. Ele e todos os bispos agiam em complementariedade mútua e eram responsáveis perante o Sínodo.  
A Igreja a Nível Universal  
15. Entre o quarto e o sétimo séculos, a ordem (táxis) dos cinco patriarcados foi reconhecida, firmada e sancionada pelos Concílios Ecumênicos, com a Sé de Roma ocupando o primeiro lugar, exercendo uma primazia de honra, seguida pelas sedes de Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém, nessa ordem específica, de acordo com a tradição canônica.[14]  
16. No Ocidente, o primado da Sé de Roma foi particularmente entendido, a partir do século IV em diante, com referência ao papel de Pedro entre os Apóstolos. O primado do bispo de Roma entre os bispos foi gradualmente interpretado como uma prerrogativa que era deste, porque ele era o sucessor de Pedro, o primeiro dos apóstolos.[15] Este entendimento não foi adotado no Oriente, que teve uma interpretação diferente das Escrituras e dos Padres sobre este ponto. O nosso diálogo retomará esta questão no futuro.  
17. Quando um novo patriarca era eleito para uma das cinco sedes estabelecidas, a prática usual era que o eleito enviasse uma carta a todos os outros patriarcas, anunciando sua eleição, acompanhada de uma profissão de fé. Tais “cartas de comunhão" expressam profunda a ligação canônica de comunhão entre os patriarcas. Ao incluir o nome do novo patriarca, na ordem correta, nos dípticos de suas igrejas, lidos na liturgia, os outros patriarcas com isto reconheciam a sua eleição. Era na celebração da Santa Eucaristia que a legitimidade de um Patriarca era plenamente reconhecida. Sempre que dois ou mais patriarcas se reunissem para celebrar a Eucaristia, as primazias se davam de acordo com a ordem estabelecida. Esta prática manifestava o caráter eucarístico da comunhão patriarcal.  
18. A partir do Primeiro Concílio Ecumênico (Nicéia, 325) em diante, as principais questões com relação à fé e ordem canônica na Igreja, eram discutidas e resolvidas pelos concílios ecumênicos. Embora o bispo de Roma não tenha estado pessoalmente presente em qualquer um desses concílios, em cada caso, ou ele se fazia representar por seus legados ou firmava concordância com as conclusões do Concílio “pós factum”. O discernimento da Igreja sobre os critérios de reconhecimento de um concílio como ecumênico foi desenvolvido ao longo do primeiro milênio. Por exemplo, induzido pelas circunstâncias históricas, o Sétimo Concílio Ecumênico (Nicéia II, 787) ofereceu uma descrição detalhada de quais eram estes critérios e como eles eram entendidos: Concórdia (Symphonia) dos chefes das igrejas, a cooperação (Synergeia) do bispo de Roma, e a concordância dos demais patriarcas (symphronountes). Um concílio ecumênico tem sua ordem estabelecida de acordo com a sequência em que se sucederam, e seu ensino deve estar de acordo com os dos concílios anteriores.[16] O acolhimento da Igreja como um todo tem sido o critério supremo para definir a ecumenicidade de um concílio.  
19. Ao longo dos séculos, uma série de recursos, em matéria disciplinar (tal como a destituição de um bispo), foram dirigidos tanto ao bispo de Roma como ao do Oriente. Uma iniciativa em estabelecer regras para tal procedimento, foi tomada pelo Sínodo de Sárdica (343).[17] Sárdica foi referendado pelo Concílio em Trullo (692).[18] Os cânones de Sárdica determinaram que um bispo que fosse condenado poderia apelar para o bispo de Roma, e que este último, se considerasse conveniente, poderia encomendar um novo julgamento, a ser conduzido pelos bispos da província vizinha à do bispo requerente. Apelações sobre questões disciplinares também foram dirigidas à Sé de Constantinopla,[19] e outras sedes. Esses apelos às grandes sés sempre foram tratados de forma sinodal. Os Apelos do Oriente ao bispo de Roma expressavam a comunhão da Igreja, mas, o bispo de Roma não exercia autoridade canônica sobre as igrejas do Oriente.  
Conclusão  
20. Ao longo do primeiro milênio, a Igreja no Oriente e no Ocidente estavam unidas na preservação da fé apostólica, mantendo a sucessão apostólica dos bispos, o desenvolvimento de estruturas de sinodalidade, inseparavelmente atreladas à uma primazia, e em uma compreensão da autoridade como serviço (diakonia) de amor. Embora a unidade entre Oriente e Ocidente tenha sido por vezes perturbada, os bispos do Oriente e do Ocidente eram conscientes de pertencerem à uma única Igreja. 21. Este património comum de princípios teológicos, provisões canônicas e práticas litúrgicas do primeiro milénio constitui um ponto de referência necessário e uma poderosa fonte de inspiração para ambos - Católicos e Ortodoxos - na busca em curar a ferida da divisão entre si no início do terceiro milênio. Com base neste patrimônio comum, ambos devem considerar como a primazia, a sinodalidade e a inter-relação entre si podem ser concebidas e exercidas hoje e no futuro.  


[1] Nota do Tradutor. “eikon” (ícone, imagem)
[2] St Maximus the Confessor, Mystagogia (PG 91, 663D). 
[3] St Cyprian, De Orat. Dom., 23 (PL 4, 536).
[4] St John Chrysostom, Explicatio in Ps 149 (PG 55, 493). 
[5] NT: “Sinaxis”, quer dizer “reunião”, “assembleia”.
[6] St Ignatius, Letter to the Smyrnaeans, 8. 
[7] St Cyprian, Ep.55, 24, 2; cf. também, “episcopatus unus est cuius a singulis in solidum pars tenetur” (De unitate, 5).
[8] Nota do Tradutor: “Queirotonia” (imposição de mãos).
[9] Primeiro Concílio Ecumênico (Nicéia, 325), cânon 4:"É preferível que um bispo seja estabelecido por todos os bispos de uma província; mas se isto parecer difícil por causa de uma necessidade premente ou por causa da distância a ser percorrida, pelo menos três bispos devem se unir; e, tendo o consentimento por escrito dos bispos ausentes, eles podem então prosseguir com a consagração. A validação [Kyros] do ato realizado recai sobre o bispo metropolitano de cada província." Cf. Também Cânon Apostólico, 1:"Um bispo deve ser ordenado por dois ou três bispos. 
[10] Primeiro Concílio Ecumênico (Nicéia, 325), cânone 4; Também cânone 6:"Se alguém for estabelecido bispo sem o consentimento do metropolita, o Grande Concílio decretará que tal pessoa não é de fato um bispo.”
[11] 8) Quarto Concílio Ecumênico (Calcedônia, 451), Canon 12:
"Quanto às cidades que - por decreto imperial - já foram honradas com  o título de metrópole, devem tais cidades e os bispos que a governam, permanecerem desfrutando de tal título, mas, apenas como título de honra; ou seja,  que os direitos do verdadeiro bispo verdadeiro (kata aletheian) da metrópole sejam salvaguardados". 
[12] 9) Sétimo Concílio Ecumênico (Nicéia II, 787), cânone 11 concede aos metropolitas o direito de nomear os tesoureiros das suas dioceses sufragâneas, caso os bispos não o tenham feito. 
[13] Cf. Concílio de Antioquia (327), cânone 9:"É bom para os bispos, em todas as províncias [ Eparchía ], apresentar o bispo que preside na metrópole.” 
[14] Cf. Primeiro Concílio Ecumênico (Nicéia, 325), cânone 6:
“Os antigos costumes Egito, Líbia e Pentapolis, devem ser preservados, segundo os quais, o bispo de Alexandria tem autoridade sobre todos esses lugares, uma vez que existe um costume semelhante com referência ao bispo de Roma. Do mesmo modo, em Antioquia e as outras províncias, as prerrogativas [ presbeia ] das Igrejas devem ser preservadas.; Segundo Concílio Ecumênico (Constantinopla, 381), cânone 3:“O Bispo de Constantinopla ... tem a primazia de honra [ tes presbeia vezes ] logo após ao  Bispo de Roma, porque é Nova Roma”; 
Quarto Concílio Ecumênico (Calcedônia, 451), a Canon 28:
“Os Padres retamente concederam privilégios ao trono da velha Roma, porque era a cidade régia. E os Cento e Cinquenta religiosíssimos bispos, motivados pela mesma consideração, deram iguais privilégios (isa presbeia) ao santíssimo trono da Nova Roma, julgando justamente que a cidade que é honrada com a Soberania e o Senado, e goza de iguais privilégios com a antiga Roma imperial, devia em assuntos eclesiásticos também sucede-la e ser magnificada como ela é...” (Este cânon nunca foi acolhido no Ocidente);  Concílio em Trullo (692),  Canon 36:
"Renovar os decretos dos cento e cinquenta padres reunidos nesta cidade imperial sob a proteção de Deus, e os do seiscentos e trinta que se reuniram em Calcedônia: Nós decretamos que a Sé de Constantinopla deve ter privilégios iguais [ presbeia ] aos da Sé da Antiga Roma, e ser altamente considerada em assuntos eclesiásticos como a que imediatamente a sucede. Depois da de Constantinopla, segue a Sé de Alexandria, em seguida, a de Antioquia, e depois a Sé de Jerusalém ". 
[15] 12) Cf. Jerome, Em Isaiam 14, 53; Leo, Sermo 96, 2-3. 
[16] Cf. Sétimo Concílio Ecumênico (Nicéia II, 787): JD MANSI, Sacrorum Conciliorum nova et amplissima collectio , XIII, 208D-209C.
[17] Cf. Sínodo dos Sardica (343), cânones 3 e 5. 
[18] Cf. Concílio em Trullo , cânone 2. Do mesmo modo, o Concílio Fociano de 861, aceitou os cânones da Sárdica reonhecem ao bispo de Roma o direito de cassação em casos já julgados em Constantinopla. 
[19].Cf. Quarto Concílio Ecumênico (Calcedônia, 451), cânones 9 e 17.