O Espírito Santo Na Tradição Ortodoxa
Paul Evdokimov
(1901-1970),
teólogo leigo, cristão ortodoxo, nasceu em São Petersburgo, e no contexto da
revolução russa imigrou para França onde começou por trabalhar como operário na
indústria automóvel. Mais tarde foi professor no Instituto Saint-Serge de
Paris. O seu empenhamento em favor do ecumenismo e aproximação entre as
espiritualidades cristãs do oriente e ocidente valeu-lhe ser convidado, como
observador, para o Concílio Vaticano II.
Simone Weil encontrou uma
imagem surpreendente de verdade:
“Invocar o Espírito pura e
simplesmente; um apelo, um grito. Como quando se está no limite da sede, que se
está doente de sede, já não nos representamos o ato de beber em relação a si
mesmo, nem mesmo em geral o ato de beber. Representamo-nos somente a água, a
água tomada por si mesma, mas esta imagem da água é como um grito de todo o
ser”.
Os Padres exprimem a mesma
verdade em termos teológico, mas desde que se trate do Espírito Santo, eles
renunciam às expressões habituais, falam uma outra linguagem, cheia de uma
admiração sem limites, uma espécie de embriaguez.
O Espírito desce no mundo,
mas a sua Pessoa dissimula-se na sua própria epifania (aparição). Ele
manifesta-se apenas nos seus dons e nos seus carismas. O grande mistério
cobre-o. As suas imagens na Escritura são imprecisas e fugitivas: sopro, chama,
perfume, unção, pomba, sarça ardente. São Simeão, o Novo Teólogo, diz:
“O Teu Nome, tão desejado e
constantemente proclamado, ninguém poderia dizer aquilo que ele é”.
Na Epifania, desce do céu
como uma Pomba e repousa sobre Jesus. Nas suas manifestações, ele é um
movimento “para Jesus”, a fim de o tornar visível e manifesto.
A sua presença está escondida no Filho como o sopro e a voz que se apagam
diante da palavra que eles tornam audível. Se o Filho é a imagem do Pai e o
Espírito Santo a imagem do Filho; o Espírito, dizem os Padres, é único a não
ter a sua imagem numa outra Pessoa, ele é essencialmente misterioso.
A Economia Trinitária da
Salvação
A Igreja é ao mesmo tempo
fundada sobre a Eucaristia e sobre o Pentecostes. O Verbo é o Espírito, as “duas
mãos do Pai”, segundo a expressão de Santo Ireneu, são inseparáveis na
sua ação manifestadora do Pai e, no entanto inefavelmente distintos. O Espírito
não é subordinado ao Filho, ele não é função do Verbo, ele é o Segundo
Paráclito, como o diz São Gregório Nazianzeno: “Ele é um outro
Consolador... como se ele fosse um outro Deus”. Vemos nas duas
economias do Filho e do Espírito a reciprocidade e o mútuo serviço, mas o
Pentecostes não é uma simples conseqüência nem uma continuação da Encarnação. O
Pentecostes tem todo o valor em si mesmo, ele é o segundo ato do Pai: O
Pai envia o Filho e agora envia o Espírito Santo. Terminada sua missão, o
Cristo volta para o Pai para que o Espírito desça em Pessoa. São Simeão, o Novo
Teólogo, sublinha o caráter pessoal da missão do Espírito: “O Espírito
não permanece estranho à vontade da sua missão... Ele realiza pelo Filho aquilo
que o Pai deseja, como se fosse o seu próprio querer”. Ao mesmo tempo,
ele nos “consola” da ausência visível do Cristo. A palavra Paraclitos significa: “aquele
que é chamado junto”, aquele que está “perto de nós” como
nosso defensor, advogado e testemunha da nossa salvação pelo Cristo.
O Pentecostes aparece como
o fim último da economia trinitária da salvação. Ao acompanharmos os Padres,
podemos dizer que o Cristo é o grande Precursor do Espírito Santo.
Santo Atanásio diz:
“O Verbo assumiu a carne
para que nós pudéssemos receber o Espírito Santo. Deus fez-se sarcóforo para
que o homem se pudesse tornar pneumatóforo”.
Para São Simeão, o Novo
Teólogo:
“Tais eram a finalidade e o
objetivo de toda a obra de nossa salvação pelo Cristo, que os crentes recebam o
Santo Espírito”.
Igualmente, Nicolau
Cabasilas:
“Qual é o efeito e o
resultado dos atos do Cristo?... não é nada mais que a descida do Santo
Espírito sobre a Igreja”. O
próprio Senhor o diz: “E melhor para vós que eu parta... Eu suplicarei
ao Pai e Ele vos dará um outro Paráclito”.
Assim a Ascensão do Cristo
é a epiclese por excelência porque divina; o Filho suplica ao
Pai que dê o Espírito Santo e, como resposta à súplica, o Pai envia o Espírito
e faz vir o Pentecostes. Essa visão total das economias não diminui em nada o
caráter central da Redenção crística e do sacrifício do Cordeiro, mas precisa a
ordem progressiva dos acontecimentos e mostra o Filho e o Espírito cada um na
sua própria grandeza e dimensão, cada um servindo o outro numa reciprocidade e
num mútuo serviço e convergindo em conjunto para o Reino do Pai.
Durante a missão
terrestre do Cristo, a relação dos homens ao Espírito Santo apenas se
realizava em Cristo e pelo Cristo. Em compensação, após o Pentecostes é
a relação ao Cristo que se realiza pelo Espírito e no Espírito Santo.
Com efeito, na época do
Evangelho, o Cristo era historicamente visível, ele estava diante dos
seus discípulos. A Ascensão suprime a visibilidade histórica: “O mundo
não me verá mais” e nisso a partida do Senhor é real. Mas o
Pentecostes restitui ao mundo a presença interiorizada do Cristo e o revela
agora não diante, mas no interior dos seus
discípulos. “Eu virei a vós... eu estarei convosco até ao fim
do mundo”; a presença do Senhor é tão real como a sua partida. “Nesse
dia (dia de Pentecostes) vós conhecereis que eu estou em vós.” Essa
interiorização opera-se justamente pelo Espírito Santo, como o diz São Paulo: “O
amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Santo Espírito” (Rm 5,5). É
pelo espírito que nós dizemos “Abba Pai” e pronunciamos o Nome
de Jesus.
Na expressão “um
outro Consolador”, podemos entender quase a identificação que faz o
Cristo entre a vinda do Espírito e o seu próprio retorno. Esse outro
Consolador, justamente allos e não heteros, outro
mas não novo, quase o mesmo e porém manifestado de outro modo. Agora ele é
biúnico, pois a ele se aplica a palavra relativa ao Espírito: “Para que
ele permaneça eternamente em vós” e também a palavra relativa ao
Cristo: “E eis que eu estou convosco para sempre, até ao fim do mundo”. O
Paráclito é ao mesmo tempo o Cristo sobre o qual repousa Espírito e ele é o
Espírito que revela e manifesta o Cristo, na sua inseparável simultaneidade e
serviço recíproco.
Assim o Pentecostes começa
a história da Igreja, inaugura a Parusia e antecipa o Reino, O Espírito
integra-nos ao Corpo como os “co-herdeiros” de Cristo, faz-nos “filhos
no Filho” e no Filho faz-nos encontrar o Pai. O Espírito de adoção
opera a filiação divina e Santo Ireneu aplica à Igreja o nome de “filho
de Deus”, filho adotivo do Pai.
Segundo 2 Cor 3,17-18 —
“Pois o Senhor é o Espírito e, lá onde está o Espírito, está a liberdade. Nós
todos que refletimos a glória somos transformados, como convém, à ação do
Senhor, que é o Espírito” —, ao lado do Senhorio do Cristo, se
estabelece o senhorio do Espírito. A identificação do Reino ao Espírito,
freqüente nos Padres, refere-se a uma variante da oração dominical: em vez de “que
venha o teu Reino”, lê-se: “que venha o teu Espírito Santo”. Esta
invocação marca o último ato da salvação, o retorno ao Pai e a sua Senhoria
suprema: “E quando todas as coisas lhe forem submetidas, então o
próprio Filho se submeterá Aquele que tudo lhe submeteu, a fim de que Deus seja
tudo em tudo”, “ele confiará a realeza a Deus Pai”. A noção de
Igreja-Corpo passa para a noção de Igreja-Família, Igreja-Casa do Pai, à imagem
da Trindade.
O Espírito Santo na Tradição Ortodoxa,
Editora Ave-Maria
Foto: AFP