São João Damasceno (676-749 d.C) defendeu a prática cristã tradicional da exibição e veneração das imagens, e seus ensinamentos foram afirmados no Sétimo Concílio Ecumênico (Nicéia, 787 d.C). Quase oito séculos mais tarde, este debate foi reacendido pela Reforma Protestante, com muitos dos reformadores (com a notável exceção de Martinho Lutero) abraçando uma conoclastia radical, a ponto de executarem uma frenética destruição de imagens.
João Calvino (1509-1564) incluiu um capítulo sobre as imagens em histórica obra denominada de “Institutas da Religião Cristã”, onde ele expõe uma forte posição iconoclasta, seguido de um capítulo sobre a veneração de santos. São estes capítulos que serão analisados e criticados neste ensaio, em contraposição à sabedoria patrística de São João Damasceno.
O Primeiro E Segundo Mandamentos (Êxodo 20, 2-6)
“[1º] Eu sou o SENHOR teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de mim. [2º] Não farás para ti ídolo, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não te encurvarás a elas nem as servirás; porque eu, o SENHOR teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniqüidade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam. E faço misericórdia a milhares dos que me amam e aos que guardam os meus mandamentos.” (Êxodo 20, 2-6)
Estes mandamentos apresentam claramente um contraste entre o Deus de Israel e os falsos deuses de outras nações. Deus exige adoração exclusiva e proíbe as práticas idólatras de adorar falsos deuses na forma de criaturas ou objetos, ou de venerar objetos sagrados associados com falsos deuses. O segundo mandamento pode, portanto, ser lido não como uma proibição indiscriminada de imagens, mas como uma proibição da categoria de imagens que são usadas na adoração de falsos deuses. Isso é reforçado pelo primeiro mandamento, que proíbe a sujeição a outros deuses, e pela maneira que Deus descreve a si mesmo como “ciumento”, evocando a imagem de um marido cuja esposa busca atrás de outros homens (a metáfora utilizada regularmente nas Escrituras, por exemplo, Jeremias 3, 20).
O segundo mandamento também faz uma distinção sutil entre o verdadeiro Deus, que não pode ser descrito, e os falsos deuses que são visivelmente retratados por ídolos. Isto é reiterado mais longamente em Deuteronômio 4, 15-40, e, como São João Damasceno observa, esta passagem proíbe a representação do Deus invisível, o Pai:
“Guardai, pois, com diligência as vossas almas, pois nenhuma figura vistes no dia em que o SENHOR, em Horebe, falou convosco do meio do fogo;” (Deuterônomio 4,15)
O DEUS INVISÍVEL
Calvino alega sobre Deus que: “
formas visíveis feitas com a finalidade de representá-Lo são ficções falsas e perversas" e que "todas as tentativas humanas para dar uma forma visível para Deus são vaidade e mentiras.” (1).Ele também deduz que:
“Se é ilegal fazer qualquer representação corporal de Deus, ainda é mais ilegal adorar essa representação em vez de Deus, ou para adorar a Deus nele” (2).Calvino reconhece assim que não só é a adoração de falsos deuses é um pecado, mas também a falsa adoração do Deus verdadeiro. Ele sugere que em certos momentos
“Os judeus foram persuadidos, que sob tais imagens adorariam o Deus eterno, o único e verdadeiro Senhor do céu e da terra” (3),uma prática que desonra e deturpa Deus. Poderíamos chamar isso de uma tentativa de refazer a Deus de acordo com os ideais humanos, em vez de humildemente aceitar a verdade revelada por Deus.
São João Damasceno está em pleno acordo com Calvino sobre estes pontos, e retoricamente pergunta, na sua Obra "Exposição Exata da Fé Ortodoxa":
“Quem pode fazer uma imitação do Deus sem forma, incircunscrito, incorpóreo e invisível?”.Ele, então, passa a dizer que:
“Dar forma à Divindade é o cúmulo da loucura e impiedade. E, portanto, é que no Antigo Testamento o uso de imagens não era comum.” (4).Da mesma forma, em seu tratado "Contra Os Que Condenam As Imagens Sagradas", São João explica que
“Ele proíbe a feitura de imagem por causa da idolatria, e que é impossível fazer uma imagem de Deus, que é Espírito, invisível, e incircunscrito” (5)... “Se alguém se atreve a fazer uma imagem do Deus Todo-Poderoso, que é Espírito puro, invisível, incircunscrito, nós a rejeitamos como uma falsidade” (6). '
Tendo estabelecido um acordo comum que Deus não pode ser representado de forma visível, e que a adoração de falsos deuses é proibida, a pergunta que surge naturalmente é se qualquer forma de imagens religiosas é permissível?
A ARCA DA ALIANÇA E O TEMPLO DE SALOMÃO
Há uma série de referências bíblicas que demonstram que imagens religiosas são permitidas pelo Deus de Israel, quando elas não estão associadas a falsos deuses e e quando não falsamente descrevem o Deus Invisível. Os versos seguintes descrevem os elaborados e belos desenhos com que a Arca de Deus e o Templo foram enfeitados:
“Farás também dois querubins de ouro; de ouro batido os farás, nas duas extremidades do propiciatório.” (Exôdo 25,18)
“E o Tabernáculo farás de dez cortinas de linho fino torcido, e azul, púrpura, e carmesim; com querubins as farás de obra esmerada.” (Êxodo 26, 10
“E no oráculo fez dois querubins de madeira de oliveira, cada um da altura de dez côvados.” (I Reis 6, 23).
Querubins esculpidos no Lugar Santíssimo
“E revestiu de ouro os querubins. E todas as paredes da casa, em redor, lavrou de esculturas e entalhes de querubins, e de palmas, e de flores abertas, por dentro e por fora” (I Reis, 6, 28-29)
“E sobre as cintas que estavam entre as molduras havia leões, bois, e querubins, e sobre as molduras uma base por cima; e debaixo dos leões e dos bois junturas de obra estendida.” (I Reis 7, 29).
“Para o interior do Santo dos Santos, mandou esculpir dois querubins e os revestiu de ouro.” (II Crônicas 3,10)
“Josué rasgou suas vestes e prostrou-se com a face por terra até a tarde diante da arca do Senhor, tanto ele como os anciãos de Israel, e cobriram de pó as suas cabeças” (Josué 7, 6)
“E disse o Senhor a Moisés: Faze uma serpente ardente e põe-na sobre uma haste; e será que viverá todo mordido que olhar para ela. E Moisés fez uma serpente de metal e pô-la sobre uma haste; e era que, mordendo alguma serpente a alguém, olhava para a serpente de metal e ficava vivo.” (Nm 21,8-9)
Estes versos oferecem um esclarecimento vital do segundo mandamento, e é especialmente significativo que as instruções para a decoração do templo foram divinamente reveladas a Moisés na mesma montanha que ele recebeu os mandamentos, e registrado no mesmo livro das Escrituras.
No entanto, Calvino descarta a importância desses objetos de culto divino, alegando que eles pertencem
“à antiga tutela da lei” e que este tempo “já passou” (7).Ele afirma que é
"absurdo... trazê-los para ao presente como um exemplo para a nossa época”,mas não percebe que essas passagens demonstram que sua oposição a todas as imagens religiosas é uma má interpretação do segundo mandamento. Se ele não atribui qualquer relevância para as instruções de Deus a Moisés no livro do Êxodo, em seguida, deve-se perguntar, por que motivo Calvino está ainda preocupado com os Dez Mandamentos, que são da mesma fonte?
Tendo tomado conhecimento das instruções divinas para decorar a Arca e o Templo com imagens de querubins, São João Damasceno resume o segundo mandamento assim:
“Não farás para ti deuses de metal, e tu não fazer qualquer semelhança como de Deus, nem adorar a criatura em vez do Criador, nem a qualquer criatura como Deus...” (8)
Isso abrange proibições de Deus contra a idolatria, deixando espaço para imagens sagradas como as do Templo e reduzindo a capacidade de interpretação errada. A formulação original do mandamento como foi divinamente ditado a Moisés é perfeitamente adequada quando é lida no contexto mais amplo do livro do Êxodo, mas o esclarecimento de São João é útil para aqueles que estão confusos com a interpretação radical e seletiva dos iconoclastas. Curiosamente, Martinho Lutero apoia a interpretação do mandamento dada por São João:
“De acordo com a lei de Moisés nenhuma outra imagem é proibida além do que uma imagem de Deus que alguém adora. Um crucifixo, por outro lado, ou qualquer outra imagem santa não é proibida... Nenhuma conclusão pode ser tirada a partir das palavras: “Não terás outros deuses”, que não seja aquela que se refere à idolatria. Onde porém imagens ou estátuas são feitas sem idolatria, então tal tomada delas não é proibida, por causa da palavra central, “Não terás outros deuses”, permanece intacta.” (9)
São João Damasceno também entendeu o significado cósmico dos aspectos visuais da adoração divina no Antigo Testamento. Ele se refere a Paulo para seus leitores, que ensinou que o Templo e o culto realizado dentro dele foram:
“Os quais servem de exemplo e sombra das coisas celestiais, como Moisés divinamente foi avisado, estando já para acabar o tabernáculo; porque foi dito: Olha, faze tudo conforme o modelo que no monte se te mostrou.” (Hebreus 8, 5).
Este verso proclama que o Templo não só continha imagens, mas era em si uma representação, imagem ou ícone do céu. Uma vez que o templo foi modelado após as coisas celestiais, seria lógico deduzir que o culto cristão deve compartilhar algumas de suas características e formas (embora transformada por Cristo), desde que as coisas celestiais não mudaram. E não é só Deus imutável (Malaquias 3, 6), mas a adoração celestial descrita em Ezequiel e Apocalipse tem uma notável continuidade.
O DEUS INVISÍVEL SE REVELA
O aspecto mais negligente da dissertação de Calvino contra as imagens é o seu completo fracasso ao enfrentar o argumento mais central de São João de Damasco e dos iconófilos, que é a encarnação de Cristo. Calvino afirma que
“O Filho de Deus desceu do céu... milagrosamente ficou satisfeito ao ser concebido milagrosamente no ventre da Virgem, para viver na terra, e se pendurado na cruz” (10).
No entanto, ele não reconhece as implicações disto, que são explicadas por São João:
“É claro que quando você contempla a Deus, que é puro espírito, tornando-Se homem por nossa causa, você será capaz de vesti-lo com a forma humana. Quando o Invisível se torna visível para a carne, então é possível retratar a imagem de sua forma. Quando Ele, que É puro espírito, sem forma ou limite, imensurável na imensidão de sua própria natureza, existindo como Deus, toma sobre Si a forma de servo em substância e em estatura, e um corpo de carne, então você pode desenhar Seu semblante, e mostrá-lo para qualquer pessoa disposta a contemplá-lo.” (11)
“Por isso atrevo-me a desenhar uma imagem do Deus invisível, não como invisível, mas como tendo Se tornado visível a nós através de carne e osso. Eu não desenho uma imagem da divindade imortal. Eu pinto a carne visível de Deus, pois se é impossível representar um espírito, quanto mais Deus, que dá fôlego para o espírito.” (12)
Enquanto a proibição contra representação da divindade invisível do Pai permanece, São João aplica as verdades cristãs da Trindade e da Encarnação à sua doutrina de imagens sagradas. A segunda pessoa da Trindade, o Logos divino, tem uma natureza humana com um corpo que é verdadeiramente carne e, portanto, capaz de ser representado visualmente. Calvino não menciona este fato, uma única vez no capítulo 11 das Institutas, o que é surpreendente e desonesto. Sem incorporar a encarnação do Logos divino em sua tese, Calvino está apresentando uma teologia de imagens que é principalmente indistinguível do Islã.
Contrasta as palavras de Calvino com as palavras das Escrituras, que fornecem uma crítica especialmente pungente à iconoclastia em uma perspectiva cristológica:
Calvino
“... Temos de mantê-lo como primeiro princípio, que tão frequentemente quanto qualquer forma é atribuída a Deus, a Sua glória é danificada por uma mentira ímpia” (13)
As Escrituras:
“De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, Mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens;” (Felipenses 2, 5-7)
“Agora, Senhor, despedes em paz o teu servo, Segundo a Tua palavra; Pois já os meus olhos viram a Tua salvação, A qual Tu preparaste perante a face de todos os povos; Luz para iluminar as nações, E para glória de Teu povo Israel.” (Lucas 2, 29-30)
Estavam os Apóstolos e São Simeão cometendo idolatria, olhando para a forma humana visível de Cristo? Por acaso eles fechavam os olhos sempre que Jesus estava presente? Certamente que não. Pois adorar a Cristo na Sua carne humana é adorar a segunda pessoa da Trindade Divina, e ver Cristo em Sua carne humana é ver a segunda pessoa da Trindade Divina. O IV Concílio Ecumênico (Calcedônia, 451 d.C), afirmou isto perfeitamente:
“[...] Um único e mesmo Jesus Cristo, o Filho unigênito deve ser confessado ser de duas naturezas, inconfundíveis, imutáveis, indivisíveis, inseparáveis, e que, sem a distinção de naturezas sendo levadas por tal união, mas sim a propriedade peculiar de cada natureza a ser preservada e sendo unidas em uma pessoa e subsistência, não separado ou dividido em duas pessoas, mas um só e mesmo Filho e unigênito, O Verbo de Deus, nosso Senhor Jesus Cristo [...]”(14)
A recusa em admitir que Cristo pode ser visivelmente representado na Sua humanidade é uma negação do cristianismo, porque é uma negação de que o Filho de Deus verdadeiramente “se fez homem”, como o Credo Niceno professa. O fracasso de Calvino em mencionar esta doutrina essencial uma vez em sua avaliação das imagens sagradas, demonstra que sua doutrina de imagens não é centrada em Cristo, validando a inevitável comparação com a religião iconoclasta do Islã.
AS IMAGENS NA IGREJA PRIMITIVA
Um pilar importante do argumento de Calvino é a sua afirmação audaciosa que:
“...Por 500 anos, durante nos quais a religião estava em uma condição mais próspera, e uma doutrina mais pura florescria, as igrejas cristãs foram completamente livre de representações visíveis. Daí a sua primeira admissão como um ornamento para igrejas ocorreu após a pureza do ministério ser um pouco degenerada.” (15)
Ele, portanto, alega que os iconófilos se afastaram da prática antiga dos cristãos e introduziram corrupções idólatras na fé.
Calvino levanta o Canon 36 do Sínodo de Elvira (Espanha) do início do IV século em apoio da sua posição. O Concílio foi um pequeno e obscuro encontro de bispos locais da área, comumente acreditavam ter ocorrido durante a Grande Perseguição (ou Diocleciano Perseguição). O cânone é reproduzido a seguir em duas traduções possíveis:
“Não deve haver imagens utilizadas nas igrejas: Que nada, que é adorado ou venerado seja pintado nas paredes” (16).
“Pareceu bem que as imagens não devem estar nasigrejas, de modo que o que é venerado e adorado não sejam pintados nas paredes.” (17)
Embora isso possa parecer inicialmente apoiar a posição de Calvino, o significado e intenção do cânone é, de fato, muito pouco claro. O cânon era prático e não teológico, levando não a anátemas, condenações ou argumentos de princípio contra imagens e não faz nenhuma acusação de idolatria ou pecado. Mas, enquanto não há julgamento explícito sobre a ortodoxia teológica de imagens, a própria existência do cânone sugere que elas já eram um fenômeno generalizado. Também não está claro por que motivo o cânone refere-se especificamente às pinturas nas paredes, não a quaisquer outras imagens. Um cenário possível, o que levaria os Bispos locais espanhóis a desencorajar a prática de desenhar nas paredes é que os perseguidores romanos iriam vandalizar e profana-las se eles descobrissem. No mesmo sínodo, outro cânone condena a escrita de frases em igrejas, o que possivelmente apoia esta teoria. Se o misterioso Canon 36 foi, como Calvino sugere, a resolução de uma controvérsia iconoclasta localizada, então a história é completamente silenciosa sobre o assunto, e qualquer que seja o verdadeiro propósito do cânon, nunca foi discutido ou reiterado por um concílio maior na Igreja. Também se deve notar que Calvino ignorou muitos dos outros cânones do Sínodo de Elvira, como a obrigatoriedade do celibato clerical.
O leitor das Institutas também é dirigido a Santo Agostinho (354-430 dC), que defendeu a crença monoteísta em um Deus invisível contra a idolatria pagã, com referência ao antigo erudito romano Varro, na Cidade de Deus (Livro 4, Capítulo 31). Tal como foi referido, isto está completamente de acordo com São João Damasceno, de modo a citação de Calvino não tem relevância para imagens judaicas, como aquelas no Templo de Salomão ou Cristão. Eusébio de Cesaréia (260-339 d.C), cujo apoio Calvino também afirma, descreve a existência de uma estátua de Jesus e pinturas dos apóstolos, em sua História da Igreja (Livro 7, capítulo 18), refutando a alegação de Calvino que a igreja primitiva era “completamente livre de representações visíveis”.
Há amplo suporte arqueológico para a existência de imagens na Igreja primitiva e especulações sobre passagens obscuras de textos antigos certamente devem ser submetido à prova física. A escavação da cidade de Dura-Europos (ver aqui) na Síria durante o século 20 revelou uma igreja cristã e uma sinagoga judaica que estão ambas pintadas extensivamente com belas imagens de cenas bíblicas. Estas casas de culto ambas são anteriores à conquista persa da cidade em 256 d.C, tornando este a mais antiga antiga Igreja doméstica cristã conhecida. As catacumbas cristãs em Roma desde a era pré-Constantino foram igualmente adornadas, e a Igreja perseguida, muitas vezes conduzia os seus serviços entre os túmulos. A evidência arqueológica dos cristãos sírios e romanos do século III é problemática para a tese de Calvino, para dizer o mínimo.
O PAPEL DAS IMAGENS NO CULTO CRISTÃO
A Catacumba de São Calisto (Sec. III) mostra que já se usava imagens no culto cristão primitivo |
Tendo estabelecido a base cristológica para descrever o Logos divino, o papel das imagens na adoração deve ser abordado. Calvino perguntou
“por que os homens se prostram diante de imagens? Por que, quando no ato de orar, eles se voltam para elas como para os ouvidos de Deus?” (18)iconófilos sempre responderam essa acusação apresentando a sua crença de que a imagem não é Cristo, nem ele vive dentro dela, mas ele é simbolizado por ela.
São João Damasceno afirma que o culto cristão deve incluir venerar e honrar a imagem de Cristo, pois
“a honra dada à imagem passa para o protótipo” (19).
“a honra dada à imagem passa para o protótipo” (19).
Ele apoia esse princípio citando Colossenses 1, 15, que descreve Cristo como a “imagem do Deus invisível” e João 5, 23, que proclama que “aquele que não honra o Filho não honra o Pai que o enviou”. Portanto, São João conclui que
“como nosso Senhor diz, assim, quem não honra a imagem não honra o original” (20).Mais uma vez, ele emprega um método teológico verdadeiramente cristão, que é começar com uma perspectiva cristológica e trinitária. Esse entendimento encoraja os cristãos a
“abraçar com os nossos lábios, a imagem de Cristo... enquanto em espírito julgamos que estamos abraçando o próprio Cristo” (21).
Isto não é idolatria, porque “não é um culto da matéria, mas... a quem a matéria representa” (22).Este não é um deus falso, nem uma falsa concepção do verdadeiro Deus, mas o Logos encarnado, cuja forma humana verdadeira é representado na imagem. São João Damasceno, citando São João Crisóstomo (347-407), demonstra um conceito semelhante em sentido inverso, no mundo secular de sua época:
“Se você despreza a veste real, você não desprezar o próprio rei? Você não vê que, se você despreza a imagem do rei, você despreza o original? Você não sabe que se um homem mostra desprezo por uma imagem de madeira ou uma estátua de metal, ele não é julgado como se ele tivesse desprezado ele mesmo ou a matéria inanimada, mas como se mostrar-se desprezo pelo rei? Desonra mostrada a uma imagem do rei é desonra mostrada ao rei.” (23)
Calvino realmente entendia que iconófilos cristãos
“nem adoraram a imagem, nem qualquer divindade que habita, mas por meio da imagem corporal veem um símbolo daquilo que era seu dever de culto” (24).No entanto, em sua polêmica contra as imagens que ele funde continuamente essas três categorias, acreditando que
“Não faz diferença ... é sempre idolatria quando honras divinas são pagas a um ídolo, ser da cor que for” (25).As três crenças sobre as imagens são, obviamente, distintas entre si, mas Calvino parece ser incapaz de compreender o que São João é capaz de
“prostrar-se e não adorar o material, mas o que é representado” (26).As Escrituras dão suporte a São João Damasceno, por que comprovam a legitimidade de mostrar honra aos bjetos sagrados durante a prece:
“Porém eu entrarei em tua casa pela grandeza da tua benignidade; e em teu temor me inclinarei para o teu santo templo.” (Salmo 5, 7)
“Então Josué rasgou as suas vestes, e se prostrou em terra sobre o seu rosto perante a arca do SENHOR...” (Josué 7: 6).
Calvino também sugere que não há diferença entre as honras que iconófilos dão as imagens e para Deus, mas um exame superficial da prática cristã tradicional mostra que isso é falso. As honras dadas a imagens de Cristo são limitadas ações físicas que honram o protótipo que é retratado, com a madeira ou pedra apenas agindo como um símbolo. Mais formas de culto, como a oração e a oblação da Eucaristia nunca são direcionadas para uma imagem física, pois os cristãos não rezam a madeira ou pedra, mas a Deus. A presença de imagens durante a oração simplesmente permite acompanhar honras físicas dadas à imagem de Cristo e para ajudar o adorador na contemplação d’Ele cuja semelhança vêem.
OS OBJETOS SACROS
Calvino afirma que
“nós sabemos muito bem, por experiência que as imagens do momento aparecem nas igrejas, a idolatria tem como levantar a sua bandeira; porque a loucura da humanidade não pode moderar-se, mas imediatamente cai no culto supersticioso” (27).Seu problema é que muitas vezes iconófilos frequentemente atribuem sacralidade especial ou honra a certas imagens. Para Calvino, uma imagem se torna um ídolo quando o poder de Deus
“é supostamente ser anexada a ela” (28)e ele vê isso como idêntico ao Deus que habita na imagem ou a imagem que tem poder próprio. Portanto, Calvino acredita que ele pode taxar os iconófilos com idolatras com a pergunta:
“... Por que tais distinções feitas entre imagens diferentes do mesmo Deus, que enquanto um está passando, ou recebe apenas honra comum, outra é adorada com as maiores solenidades? Por que eles se cansar com peregrinações votivas às imagens, enquanto eles têm muitas outras semelhantes em casa? Por que no presente momento é que eles lutam por eles ao sangue e abate, assim como para os seus altares e corações, mostrando mais vontade de participar com o único Deus do que com os seus ídolos?” (29)
Estas perguntas podem ser resumidas por apenas perguntar se a graça de Deus sempre age milagrosamente através de objetos específicos, ou se todos os objetos sagrados são dignos de honra especial. Se isso puder ser respondido afirmativamente, então o argumento de Calvino seria refutado, porque não haveria nenhuma razão para que imagens sagradas específicas não devessem inspirar maior reverência do que outras. A Sagrada Escritura, de fato, apresenta uma série de objetos através dos quais Deus age poderosamente, ou defende particularmente da desonra e profanação.
Os cajados de Arão e Moisés (Êxodo 7:10, 7:20, 8: 5, 08:16, 17: 9-11, Nm 17: 8)
A serpente de bronze (Números 21: 8-9)
A Arca da Aliança (1 Samuel 5: 1-6, 2 Samuel 6: 6-7)
O manto de Elias (2 Reis 2, 14)
Os ossos de Eliseu (2 Reis 13, 21)
Os vasos de ouro e prata do templo (Daniel 5, 2-30)
A piscina de cura em Jerusalém (João 5, 2-4)
As vestes do apóstolo Paulo (Atos 19, 11-12)
Estas passagens, entre outros, deixam bem claro que Deus às vezes usa objetos particulares como canais de seu poder, enquanto outros objetos eram dignos de reverência especial na medida em que Deus trouxe a morte sobre aqueles que não respeitavam-os. As objeções de João Calvino para certas imagens que estão sendo tendo honra maior do que as outras podem, portanto, ser julgadas improcedentes, porque o Deus de Israel, muitas vezes abençoou objetos físicos particulares com poder ou santidade e exigiram que fossem especialmente honrados.
O ANTI-MATERIALISMO GNÓSTICO DE CALVINO
O Santo Ortodoxo Nikolai Velimirovic (1880-1956), talvez com Calvino em mente, escreveu o seguinte lamento:
“Protestantes rejeitaram os milagres de Deus por meio de coisas materiais. Ao fazer isso, eles pensavam espiritualizar a fé cristã no entanto, ao fazer isso, eles têm empobrecido e deformado cristianismo. Eles rejeitaram a ação do poder de Deus através de ícones, através das relíquias dos santos, através da Cruz e, finalmente, alguns deles até mesmo através do poder da Sagrada Comunhão. Se eles forem seguir este caminho errôneo, eles teriam de rejeitar até mesmo os milagres que ocorreram a partir do corpo vivo do Senhor Jesus, pois o seu corpo era material; o mesmo com os milagres pelo toque das mãos dos Apóstolos e das mãos dos santos, pois estas mãos também são materiais e nem mesmo mencionam a vara de Moisés, ou a vestimenta do Santíssimo primogenito de Deus, do lenço do Apóstolo Paulo e assim por diante. Em sua rejeição, os protestantes estão em contradição com toda a Igreja antiga.” (30)
Calvino demonstra por que ele provocou tais críticas constantemente apresentando uma dicotomia entre as atividades racionais ou mentais (como “pregação da Palavra” e a “revelação da... filosofia celestial”(31)) e matéria física. Ele acredita que é “supersticioso” (32) pensar que as imagens podem criar uma união mais profunda com Deus, e ele chama o uso de objetos físicos na adoração de “carnal” (33). Ele castiga os iconófilos, que não estavam “contentes com a compreensão espiritual” e
“julgavam que, por meio de imagens, adquiriram compreensão mais segura e mais íntima da divindade” (34).Calvino parece considerar isso degradante a Deus, ser associado a coisas materiais, apesar de sua crença professada na encarnação de Cristo.
A crença de que a matéria física é inferior à mente e ao espírito era uma característica marcante das várias heresias gnósticas, incluindo a heresia maniqueísta que negou a bondade da criação física. Estas crenças declaravam que aquele mundo material tinha que ser precedido por meio de conhecimento (gnose). A semelhança com a iconoclastia de Calvino é aparente, e não é surpreendente que São João Damasceno tratou disso contra os seus adversários:
“Não despreze a matéria, pois não é desprezível. Nada do que Deus tem feito é. Esta é heresia maniqueísta.” (35)
“Você olha para baixo sobre a matéria e a chama de desprezível. Isto é o que fizeram os maniqueístas, mas a Sagrada Escritura declara que é bom, pois ela diz: “E Deus viu tudo o que tinha feito, e era muito bom” (Gn 2, 31). Eu digo a matéria é criação de Deus e uma coisa boa. Agora, se você diz que é ruim, você quer dizer que não é de Deus, ou você faz dele a causa do mal.” (36)
São João Damasceno também argumenta que é incoerente e ridículo exaltar alguns dos nossos sentidos físicos e denegrir os outros como Calvino faz. A filosofia iconoclasta de Calvino afirma que os cristãos podem usar meios fonéticos e literários de edificação e de culto, mas não os visuais ou tácteis. “A imagem fala à vista como as palavras ao ouvido” (37), rebateu São João, também aponta que os livros contêm imagens escritas em suas descrições e representações de objetos e eventos reais. No geral, São João é simplesmente reitera a doutrina cristã básica que os seres humanos têm um corpo, alma e intelecto e que Deus criou todos eles para serem utilizados para sua glória:
“Os apóstolos conheceram nosso Senhor com os olhos corporais, outros conheceram os apóstolos, outros os mártires. Eu, também, desejo vê-los no espírito e na carne, e possuir um remédio salvador como eu sou um ser composto. Eu vejo com meus olhos, e reverencio o que representa o que eu honro, embora eu não o adoro como Deus. Agora você, talvez, seja superior a mim, e está acima das coisas corporais, e seja, por assim dizer, não de carne, você fazer luz sobre o que é visível, mas como eu sou humano e revestido de um corpo, eu desejo ver e ser corporalmente com os santos..” (38)
Como os iconoclastas do século 8, Calvino também acredita que o pão eo vinho da Santa Comunhão são os únicos símbolos visíveis admissíveis em adoração, mas São João aponta que isso é inconsistente:
“Se você disser que só culto intelectual convém a Deus, tire todas as coisas corpóreas, luz, incenso, a oração se for através da voz física, os próprios mistérios divinos que são oferecidos através da matéria, pão e vinho, o óleo do crisma, o sinal da Cruz, pois tudo isso é matéria.” (39)
Esta passagem foi extremamente presciente, porque muitos dos protestantes que são descendentes espirituais de Calvino de fato abandonaram o sinal da Cruz, o óleo do crisma, velas e a fragrância de incenso, enquanto também abandonaram o pão e o vinho da comunhão ou viam-no como apenas um meio para ajudar a contemplação intelectual. Eles também têm muito reduzido tempo gasto em oração comunitária em favor de longos sermões e estudos bíblicos, com foco na racionalidade acadêmica da exegese histórico-gramatical.
AS IMAGENS PODEM PODE SER ÚTEIS OU EDIFICANTES?
Calvino afirma que
“tudo a respeito de Deus que é aprendido de imagens é fútil e falso” (40),afirmação que é obviamente falsa após a encarnação do Logos divino. Ele também orienta que
“a doutrina comum a todos dever ser estabelecida pela pregação da Palavra, e a administração dos sacramentos- uma doutrina a qual pouca atenção pode ser dada por aqueles cujos olhos são levados para lá e para cá contemplando ídolos.” (41).No entanto, ele tem a pretensão de que ele não é
“tão supersticioso quanto a pensar que todas as representações visíveis de todo tipo são ilegais” (42).Ele admite que representações históricas,
“que dão uma representação de eventos... são de alguma utilidade para a instrução ou admoestação” (43).Por outro lado, ele acredita que as imagens que
“meramente exibem formas e figuras corporais” não tem qualquer valor, e observa com desaprovação que estes “são quase o único tipo que não foram até agora expostos nas igrejas”. (44).
Deve em primeiro lugar salientar que Calvino para que nunca tinha visitou qualquer Igreja Católica, que sempre contêm imagens históricas de cenas bíblicas. De acordo com São João:
“Muitas vezes, sem dúvida, quando não temos a paixão do Senhor em mente e vemos a imagem da crucificação de Cristo, Sua paixão salvadora é trazida de volta à memória, e nós prostramos e não adoramos o material, mas o que é imaginada” (45)
São João também afirma que uma imagem de Cristo nos permite
“olhar para seus sofrimentos salvadores”, “nos maravilharmos em Sua condescendência” e “contemplar Seus milagres” (46).As imagens são
“um benefício puro e ajudam a salvação” (47),porque eles são
“a lembrança de acontecimentos passados” e eles nos levam a “desejar e imitar o que é bom, fugir e odiar o que é mau” (48).São João também chama a atenção para Josué 4, 20-24, em que Deus ordena a criação de um memorial visual para encorajar Israel a “temer ao Senhor vosso Deus para sempre”. Este mesmo princípio está em operação com as “formas corporais e figuras” dos Santos, que Calvino descarta. Eles são uma lembrança dos atos piedosos e heróicos que Deus operou por meio de seus servos e uma inspiração para imitá-los. Eles também são um lembrete de que
“estamos rodeados por tão grande nuvem de testemunhas” (Hebreus 12, 1)uma vez que todos os fiéis cumprem juntos com Deus, vivos ou mortos. Martinho Lutero apoia a exegese de São João Damasceno e contraria Calvino, mais uma vez, ao escrever que:
“... Imagens para memorial e testemunho, como crucifixos e imagens de santos, são para ser tolerados. Isso é mostrado acima como sendo o mesmo caso da lei mosaica. E elas não estão apenas para serem toleradas, mas por causa do memorial e do testemunho, elas são louváveis e honradas, como as pedras testemunhas de Josué (Josué 24:26), e de Samuel (I Samuel 7, 12).” (49)
São João também invoca Mateus 22, 20-21, onde a imagem de César sobre a moeda é usada para representar o seu poder, autoridade e propriedade. Segue-se naturalmente que a imagem de Cristo deve ser usada da mesma forma nas igrejas cristãs, para demonstrar o seu domínio real sobre a Igreja e o mundo.
CALVINO OBJETA CONTRA A HONRA DADA AOS SANTOS
No capítulo 12 dos Institutos, Calvino argumenta que a veneração dos santos e a oração a eles é herética e idólatra. Este é um tema relevante, pois é com base nisso que ele rejeita a criação e veneração das imagens dos santos. Calvino afirma que “o culto que papistas prestam aos santos não difere em nenhum aspecto da adoração de Deus: pois este culto é prestado sem distinção”. (50) e que não se pode venerar um santo “sem derrogar a glória de Deus” (51 ). Calvino resume sua advertência assim:
“homens nunca distinguem com tanta precisão entre a adoração de Deus e as criaturas não transferindo assim indiscriminadamente para a criatura o que pertence somente a Deus. Portanto, se nós temos um só Deus, lembremo-nos de que nunca podemos nos apropriar de uma parcela diminuta da sua glória sem reter o que lhe é devido.” (52)
Há muitos exemplos nas Escrituras onde a honra é dada aos homens, tais como Gênesis 33, 3. No entanto Calvino faz uma distinção entre a honra “civil” e “religiosa”, alegando que só é admitido honrar os seres humanos no primeiro caso uma vez que a última causa “profanação da honra divina” (53). É “impossível que um culto ligado com a religião não saborei um pouco do culto divino”, ele afirma (54).
São João Damasceno argumenta em favor de homenagear os santos, mais uma vez, invocando o princípio de que “a honra prestada à imagem passa para o protótipo” (55). Gênesis 1 recorda que Deus criou o homem à Sua imagem, razão pela qual os fiéis na igreja e os ícones dos Santos são ambos homenageados com incenso na Liturgia. 2 Coríntios 3, 18 se desenha neste princípio, proclamando que:
“Mas todos nós, com rosto descoberto, refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor.”
Os santos foram mais perfeitamente transformados a imagem de Cristo e, portanto, recebem homenagem especial. São João Damasceno também vê os santos como guias e encorajamentos para atingir a mesma imagem, pois “os atos corajosos de homens santos nos incitam a ser corajosos, emular e imitar seu valor para glorificar a Deus” (56).
Além disso, as Escrituras ensinam que os cristãos recebem efetivamente uma verdadeira união com Deus e uma habitação do Espírito Santo. Mais uma vez, isto é mais perfeitamente atualizado nos Santos, de modo a honrá-los é honrar a Deus com cuja presença eles estão cheios.
“Não sabeis vós que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá; porque o templo de Deus, que sois vós, é santo.” (I Coríntios 3, 16)
“Ou não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos?” (1 Coríntios 6, 19)
“Pelas quais ele nos tem dado grandíssimas e preciosas promessas, para que por elas fiqueis participantes da natureza divina, havendo escapado da corrupção, que pela concupiscência há no mundo.” (II Pedro 1, 4)
São João é meramente afirma esses ensinamentos, quando ele sugere que os santos devem ser honrados, como eles são vasos do poder de Deus:
“Os santos em sua vida foram cheios do Espírito Santo, e quando eles não são mais, Sua graça permanece com os seus espíritos e com seus corpos em seus túmulos, e também com suas semelhanças e imagens santas, não por natureza, mas pela graça e poder divino.” (57)
Calvino concordaria com São João, quando ele diz que “aqueles que perversamente e profanamente desejarem ser adorados como deuses são eles próprios condenáveis, e merecem o fogo eterno” (58). No entanto, acrescenta a advertência de que “aqueles que no falso orgulho de seu coração desdenham a venerar os servos de Deus são condenados por impiedade para com Deus. As crianças que ridicularizam e zombaram de Eliseu testemunharam isso, na medida em que foram devoradas por ursos (2 Reis 2, 23)” (59). Seguindo esses preceitos, os cristãos têm tradicionalmente dado honra aos Santos, mas em um nível inferior ao que pertence somente a Deus. Se os santos fossem glorificados de forma indistinguível de Deus, então a Eucaristia seria oferecida a eles e os fiéis seriam batizados em seus nomes, em vez do nome da Trindade, mas tais práticas nunca ocorreram. Além disso, de acordo com São João, a glorificação dos Santos tem a sua origem e seu objeto final em Deus, como seu Santificador, seu mestre e seu poder:
“Em primeiro lugar, os lugares em que Deus, o único que é santo, descansou, e Seu lugar de descanso nos santos, como na santa Mãe de Deus e todos os santos. Estes são os que são feitos a semelhança de Deus, tanto quanto possível, por sua livre e espontânea vontade, pela habitação de Deus, e por Sua graça permanente. Eles são verdadeiramente chamados deuses, não por natureza, mas por participação; assim como o ferro em brasa é chamado de fogo, não por natureza, mas pela participação na ação do fogo.” (60)
“Assim, então, eles são realmente deuses, não por natureza, mas como participantes da natureza de Deus, então eles são venerados, e não como veneração por conta própria, mas como possuindo em si mesmos Ele que é venerado por natureza. Assim, da mesma forma o ferro quando inflamado não é, por natureza, quente e queima ao toque, é o fogo que faz com que seja assim. Eles são venerados como exaltados por Deus, pois através d’Ele inspirando medo aos seus inimigos, tornando-se benfeitores aos fiéis. É o amor de Deus, que lhes dá o seu livre acesso a ele, e não como deuses ou benfeitores, por natureza, mas como servos e ministros de Deus. Nós os veneramos, então, como o rei é homenageado pela honra dada a um servo amado. Ele é honrado como um ministro no atendimento ao seu mestre – como um amigo valioso, não como rei. As orações daquele que se aproximam com fé são ouvidas, seja através da intercessão do servo ao rei, quanto através da aceitação do rei, da honra e da fé mostrada pelo peticionário do servo, pois foi em seu nome que a petição foi feita. Assim, aqueles que se aproximavam através dos apóstolos obtiveram suas curas. Assim, a sombra, lenços, e cintas dos apóstolos operaram as curas. (Atos 5, 15). Aqueles que perversamente e profanamente desejam que eles sejam adorados como deuses são condenáveis, e merecem o fogo eterno. E aqueles que no falso orgulho de seu coração desdenham de venerar os servos de Deus são condenados por impiedade para com Deus. As crianças que ridicularizaram e riam para escarnecer Eliseu são testemunhas disto, na medida em que eles foram devorados por ursos.” (II Rs 2, 23-24)’ (61)
Tese de São João é que a santidade dos santos não deriva apenas de sua própria humanidade, mas por ter tirado de Deus. Ele argumenta que os santos são “herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo”, uma vez que, de fato, “sofrem com Ele” (Romanos 8,17). Por esta razão, “Eles recebem poder contra os demônios e contra a doença, e com Cristo que reina sobre um reino incorruptível e imutável.” (62)
A insistência de Calvino que glorificar os Santos diminui a glória de Deus é, provavelmente, um pouco baseado na rejeição protestante da distinção das essências e energias da natureza de Deus, que os Padres da Capadócia ensinaram e a tradição teológica oriental acolheu. Portanto a tradição teológica de Calvino ensina que Deus é uma essência absolutamente simples, de modo que nenhuma criatura pode verdadeiramente participar dele, mas pode simplesmente observá-lo ou participar de efeitos criados. São João Damasceno, que afirmar a distinção, é capaz de entender que, devido a encarnação de Cristo, os santos estão unidos com as energias divinas incriadas como ferro em brasa em um incêndio, assim, tornando-se verdadeiramente “participantes da natureza divina” (2 Pedro 1, 4). O ponto de partida é, portanto, que Calvino vê a veneração de santos como um culto de meras coisas criadas, enquanto que São João vê-lo como um culto a Deus que está verdadeiramente presente em seus servos por meio de sua obediência a Ele.
CONCLUSÃO
A beleza da teologia de São João de Damasco, contrariando a teologia gnóstica de Calvino, é que ele percebe que as imagens são um dos temas mais centrais da fé cristã. Cristo é a imagem do Pai invisível, o homem é feito à imagem de Deus e os cristãos se esforçam para serem conformes à imagem de Cristo (Romanos 8, 29). As imagens são, portanto, um dom de Deus, através da qual Ele se revela e para nos levar de volta a Ele. Como seres compostos de corpo, alma e intelecto, os seres humanos têm recebido símbolos literários, musicais, táteis e visuais de Deus e o Reino Celestial vai ser aquele em que todos os nossos sentidos chegarão a sua consumação final. Este cumprimento final está previsto na presente glória de todos os cristãos, e particularmente os Santos, que não se limitam a contemplar a Deus externamente, mas são templos do Espírito Santo e participantes da natureza divina.
Trad. Rafael Rodrigues
Adaptação Pe. Mateus
Adaptação Pe. Mateus
NOTAS
1. Calvino - Institutas, Livro 1, Capítulo 11, Seção 5
2. Ibid, Seção 12
3. Ibid, Seção 9
4. São João Damasceno - Uma Exposição Exatas da Fé Ortodoxa, Livro 4, capítulo 16, Sobre imagens.
5. São João Damasceno - Contra os que condenam as imagens sagradas, Parte I
6. Ibid, Parte 2
7. Calvino - Institutas, Livro 1, Capítulo 11, Seção 3
8. São João Damasceno - Contra os que condenam as imagens sagradas, Parte II
9. Martinho Lutero - Contra os profetas Celestiais em matéria de Imagens e Sacramentos, Obras de Lutero, Fortress Press, Vol. 40, Igreja e Ministério II.
10. Institutas, livro 2, capítulo 13, seção 4
11. Contra os que condenam as imagens sagradas, Parte 1
12. Ibid
13. Institutos, Livro 1, Capítulo 11, Seção 1
14. Concílio de Calcedônia, Definição de Calcedônia, traduzido por Henry Percival
15. Institutas, Livro 1, Capítulo 11, Seção 13
16. Ibid, Seção 6
17. Steven Bigham, Early Christian Attitudes Toward Images, Instituto de Pesquisa Ortodoxa
18. Institutas, Livro 1, Capítulo 11, Seção 10
19. Uma Exposição Exatas da Fé Ortodoxa, Livro 4, capítulo 16, sobre imagens.
20. Contra os que condenam as imagens sagradas, Parte 3
21. Ibid
22. Ibid
23. Ibid, Parte 2
24. Institutas, Livro 1, Capítulo 11, Seção 9
25. Ibid
26. Uma Exposição Exatas da Fé Ortodoxa, Book 4, capítulo 16, sobre imagens.
27. Institutas, Livro 1, Capítulo 11, Seção 13
28. Ibid, Seção 9
29. Ibid, Seção 10
30. St. Nikolai Velimirovic, Prólogo de Ochrid, 28 de junho, Reflexão, traduzido pelo Rev. T. Timothy Tepsic e Rev. Janko Trbovich.
31. Institutas, Livro 1, Capítulo 11, Seção 7
32. Ibid, Seção 1
33. Ibid, Section 8
34. Ibid, Seção 9
35. Contra os que condenam as imagens sagradas, Parte 1
36. Ibid, Parte 2
37. Ibid, Parte 1
38. Ibid
39. Ibid
40. Institutas, Livro 1, Capítulo 11, Seção 5
41. Ibid, Seção 7
42. Ibid, Seção 12
43. Ibid
44. Ibid
45. Uma Exposição Exatas da Fé Ortodoxa, Book 4, capítulo 16, sobre imagens
46. Contra os que condenam as imagens sagradas, Parte 2
47. Idem, parte 3
48. Ibid
49. Martinho Lutero - Contra os profetas Celestiais em matéria de Imagens e Sacramentos, Obras de Lutero, Fortress Press, Vol. 40, Igreja e Ministério II.
50. Institutas, Livro 1, Capítulo 12, Seção 2
51. Ibid, Seção 3
52. Ibid
53. Ibid
54. Ibid
55. Uma Exposição Exatas da Fé Ortodoxa, Book 4, capítulo 16, sobre imagens
56. Ibid
57. Contra os que condenam as imagens sagradas, Parte 1
58. Idem, parte 3
59. Ibid
60. Ibid
61. Ibid
62. Ibid
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