Ao ler uma postagem publicada no blog do Sr. Clacir Virmes Júnior, Bacharel em Sistemas de Informação e estudante de Teologia no Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia, sobre os irmãos de Jesus, diga-se de passagem um dos mais lúcidos que eu já li na linha atual do pensamento protestante no Brasil, resolvi postar um comentário. A este meu comentário, o Sr. Clacir fez algumas observações, refutando a teologúmena sobre a virgindade perpétua da Santa Mãe de Deus, com base em uma hermenêutica bíblica. Percebi, então, neste diálogo, que lhe faltava uma percepção Ortodoxa e que todos os seus conceitos transitam no universo bipolar do Ocidente, ou seja, a tensão entre Católico-Romanos e Protestantes, o que é muito comum em nossa sociedade. Isto não significa que ao conhecer o mundo Ortodoxo, o Sr. Clacir e outros protestantes venham a concordar conosco, o que se acontecer nos trará grande regozijo, mas, com certeza se constituirá num enriquecimento teológico, pois, na medida de minha pouca capacidade, tentarei transmitir os tesouros que vêm do Oriente, útero e berço da Igreja.
O meu primeiro texto e os textos do Sr. Clacir podem ser acessados clicando nos "links" acima postados. Segue abaixo a minha abordagem à resposta do Sr. Clacir.
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Caro Sr. Clacir,
Obrigado pela publicação do comentário e abertura para o diálogo.
Quero, também, parabenizá-lo pela publicação do ícone do Batismo do Senhor Jesus Cristo, nosso Deus e Salvador.
Ao ler o seu “Comentando o Comentário”, apesar do tempo escasso, me dediquei a apreciar os argumentos que o senhor tomou como base de suas posições; mas, o meu texto ficou excessivamente grande e, então, me dediquei a sintetizá-lo (o que não foi fácil). Mesmo assim, o texto ficou longo para o espaço que disponho, por isto, decidi publicá-lo no Observatório Ortodoxo. Caso o senhor ou algum dos seus leitores tenha interesse em ler a minha tréplica, é só acessar.
Como eu falei, a perpétua virgindade da Santa Mãe de Deus, não é um dogma[1]. E por não ser um dogma, na Igreja não costumamos polemizar, mas guardar silêncio sobre temas que dizem respeito a um sentir da Igreja que não se traduziu em dogma.
Qual a razão, portanto, de minha insistência nesta abordagem? É a de contribuir para o conhecimento de nossa Santa Tradição Teológica, da qual, segundo o nosso entendimento, o Ocidente Cristão se afastou. Acreditamos piamente que a crise teológica na qual vive o Ocidente, é essencialmente uma crise de referência, causa primeira da profunda fragmentação que marca os cristãos ocidentais.
A Ortodoxia não é restrita ao Oriente. O Grande Cisma ocorrido na Igreja (tendo início em meados do século XI, 1054, encontrando seu desfecho no início do século XIII, 1204, com a Quarta Cruzada que saqueou Constantinopla), provocou muitos prejuízos a Igreja, arcando o Ocidente com ônus muito maior do que o Oriente. A prova disto foi a grande confusão teológica que se estabeleceu no Ocidente com a ruptura do cordão umbilical, cujos amargos frutos estamos colhendo: Uma apostasia geral na Europa Ocidental já desembocando em anti-cristianismo (a princípio com igrejas sendo vendidas para boates e bares, por falta de fiéis, hoje com um projeto de Constituição Européia que simplesmente procura abolir a memória do cristianismo de suas raízes históricas). Na Europa Ocidental graça o ideário da sociedade prevista por John Lennon em sua música “Imagine”, ou seja, um planeta que aboliu expressões religiosas e se alimenta de uma consciência pautada por uma ética de natureza humanista-horizontal. Isto sem falar na profunda crise moral resultante desta postura, defendida, inclusive, por muitas Igrejas Protestantes que se alinharam a esta“nova” moral, concebendo a legitimação teológica de práticas homossexuais e lhes dando dignidade sacramental. Já na Europa Oriental, o mundo assiste admirado o “ressurgimento” das cinzas da Igreja Ortodoxa, que dá testemunho de uma fé viva, indivisa, que faz parte não somente de uma cultura, mas, prioritariamente, da alma do povo, trazendo toda a beleza do Cristianismo primitivo e enfrentando os desafios dos tempos hodiernos. A Igreja fustigada desde 1453 pelos turcos e, pela quase totalidade do século XX pelos comunistas, dá provas de tenacidade e torna-se sinal de Deus no mundo. Por isto, nós, Ortodoxos no Ocidente, lutamos para que a fé que nos anima possa restaurar a Igreja que aqui se estabeleceu e voltarmos a ser um, a fim de enfrentarmos unidos a grande prova que sobrevirá sobre todas as nações. Nós entendemos ser esta a vontade de Deus.
Por isto achei muito oportuno argumentar sobre a virgindade perpétua da Toda Santa Theotokos, porque certamente este diálogo proporcionará plataforma para que os cristãos que a ele tiverem acesso, possam conhecer como sentimos, cremos e praticamos a fé que uma vez foi dada aos santos (Jd 1:3).
Sei que nesta tarefa existe um alto risco de incompreensão, mas também a possibilidade de comunhão e crescimento. A mente moderna é muito hostil ao que possa parecer apologético, monopólio da verdade, que se apresente com caráter exclusivo e coisas semelhantes, para dar muito valor ao “livre” pensar, a individualidade, ao caráter relativo de todas as compreensões. Nós não desprezamos as dimensões pertinentes contidas nestes paradigmas, mas, privilegiamos a mente cativa a Cristo (2 Cor. 10:5), o pensamento consensual e o saber coletivo (1 Cor. 1:10), o valor da sabedoria que emerge do despojamento da razão natural (Mt. 11:25; Fp 3:8; Ap. 2:7) e o grande valor em preservar o coração puro (Mt. 5:8; 6:22;).
Sei que muitas incompreensões surgem da falta de diálogo e da incapacidade de transcendência pessoal (a de se elevar acima do horizonte que enxergamos). Imagine o esforço que um peixe - para quem todo o universo é água - terá de fazer para entender discurso de um anfíbio que se refira a terra como porção seca.
Até bem pouco tempo as pessoas no Ocidente costumavam a pensar o Cristianismo como uma realidade bipolar, tendo de um lado os Católicos Romanos e do outro o Protestantismo. Hoje, com a globalização, as pessoas começam a tomar consciência da Igreja Ortodoxa, mas, à semelhança do peixe da metáfora acima citada, procuram-nos “enquadrar” no seu paradigma aquático. Exemplo disto está na concepção e uso do termo “dogma” e de que a defesa da perpétua virgindade da Santa Mãe de Deus esteja apoiada em paradigmas de moral sexual que foram utilizados nas duas postagens “Perguntas e Respostas: Os Irmãos de Jesus” e “Comentando o Comentário”.
Os seres da porção seca, embora, tenham ciência do mundo das águas, não possuem fisiologia para respirar nele, e por isto, classificam o tal como letal à sua sobrevivência. Muitos ortodoxos do Oriente olham com desconfiança os cristãos ocidentais por causa do seu caos teológico e suas práticas diferentes do que nos ensinaram os Pais, afinal de contas, foi lá, no Oriente, que nasceu e se desenvolveu a Igreja e a Teologia. Por isto, nós, Ocidentais e Ortodoxos ao mesmo tempo, nos consideramos o anfíbio da parábola, ou seja, os que por natureza têm a capacidade de estabelecer uma ponte entre os dois mundos. Espero em Deus, cumprir a parte que me cabe.
Aguardo sua visita no Observatório Ortodoxo.
Atenciosamente,
Pe. Mateus (Antonio Eça)
Leia abaixo ou clique aqui para acessar a Parte II.
[1] A palavra “dogma” do grego “dogmata” (do,gmata), tem sido usada pela Igreja, desde os dias dos Apóstolos como definição de uma verdade a ser seguida. Nos Atos dos Apóstolos nós lemos sobre os Apóstolos Paulo e Timóteo que"quando iam passando pelas cidades, lhes entregavam, para serem observados, os decretos (Dogmas) que haviam sido estabelecidos pelos apóstolos e anciãos em Jerusalém" [At. 16:4 (~Wj de. dieporeu,onto ta.j po,leij( paredi,dosan auvtoi/j fula,ssein ta. do,gmata ta. kekrime,na u`po. tw/n avposto,lwn kai. presbute,rwn tw/n evn ~Ierosolu,moij)Å Aqui a referência é para os decretos do Concílio Apostólico que é descrito no capítulo quinze dos Atos dos Apóstolos]. Entre os antigos gregos e romanos a palavra “dogmata” era usada para se referir a conceitos filosóficos ou às diretivas que deveriam ser precisamente atendidas. Dogma, portanto, é uma verdade proclamada por um Concílio Ecumênico (universal), pois somente este pode expressar a consciência da Igreja, guiada pelo Espírito Santo. Isto era um conceito comum, tanto para o Oriente, como para o Ocidente. Somente a partir do século XIX, mais precisamente em 1870, com a realização do Concílio Vaticano I, Roma assume a postura de conferir ao seu Bispo, quando este falar “ex-catedra” o caráter de infabilidade, portanto, uma verdade a ser seguida (dogma). Os leigos, de forma imprópria, passaram a classificar todo pronunciamento ou crença da Igreja como sendo dogma. A rigor, no Ocidente, são apenas dois os dogmas de natureza mariana: o da Imaculada Conceição e o da “Assunção de Maria aos Céus”. No Oriente, nós não temos nenhum dogma de natureza mariana. As duas vezes que a figura da Santa Theotokos aparece nos dogmas do Oriente estão inseridas numa perspectiva Cristológica: a do nascimento virginal do Senhor, o que lhe propiciou o título de Mãe de Deus (Theotokos), conforme declaram (dogmas) os I e III Concílios Ecumênicos (Nicéia e Éfeso), bem como o testemunho das Santas Escrituras (Lc 1:26-43)
Mudando de assunto Pe. Mateus.
ResponderExcluirQual é a sua opinião sobre o socialismo?
Moreira