segunda-feira, 9 de abril de 2012

“A Respeito da Data da Páscoa e do 1º Concílio Ecumênico”




Pano de Fundo da Questão Pascal

A primeira controvérsia sobre isto agitou a Igreja no segundo século: as comunidades Asiáticas celebravam a grande festa no décimo-quarto dia do mês, independente do dia da semana em que caísse. Outras igrejas que seguiam a prática Asiática, no fim de algum tempo, adotaram o uso geral. Desde então restou somente uma minoria que se recusava a aceitar a data normativa.

Estes “Quartodecimanos”, como eram chamados, eram constituídos por pequenos grupos dissidentes cujos seguidores, formalmente, foram recebidos na Igreja Católica pela unção do Crisma, depois de renunciarem da sua antiga posição.

Durante os debates levantados pela prática particular dos Asiáticos, ninguém os acusou de serem Judaizantes porque ninguém questionava o método de cálculo da Páscoa Judia; pois era por esse método que todo mundo calculava a data anual da Grande Festa Cristã. Entretanto, usando o método de cálculo Judeu, logo foram levantadas algumas questões bem apropriadas.

Após a esmagadora derrota da revolta de Simon Bar Kochba, em 135, o Judaísmo, de fato, perdeu seu contato com a Palestina. Doravante, se a Bíblia explicitamente indica quando celebrar a Páscoa, ela não faz nenhuma referência clara ao equinócio. Mas, aguardando intensamente a esperada oferta dos primeiros frutos da colheita, uma celebração antes desse tempo seria impossível. Tal critério, não obstante, perdeu sua exatidão com o desaparecimento de um centro geográfico.E uma variedade de cálculos começou a ser usada, produzindo resultados conflitantes.

No final do segundo século ou no começo do terceiro as autoridades Judaicas estabeleceram um novo sistema para fixar a data da Páscoa. Este novo sistema não levava em consideração o equinócio de primavera, então uma vez a cada três anos a Páscoa acontecia antes dele. Muitos Cristãos ficaram perturbados com isso; porquê, eles se perguntavam, eles celebrariam o memorial da paixão e ressurreição baseados em um cálculo de um calendário que não estava em uso no tempo de Jesus? Além disso, no novo sistema Judeu, considerando o período entre os equinócios, poderia existir uma segunda anomalia: a Páscoa poderia ser celebrada duas vezes em um período de doze meses, isto é, de um equinócio de primavera ao próximo, ou ela poderia não ser celebrada de um para o outro. Em suma, os Cristãos davam grande importância para a relação entre a Páscoa e o equinócio de primavera porque o próprio tempo da paixão estava ligado aos seis dias da Criação.

Além do mais, como o distanciamento entre a sinagoga e a Igreja crescia, parecia anormal para a maioria dos Cristãos depender dos Judeus para a determinação da data da Páscoa. Este sentimento incitou muitos autores a escrever trabalhos durante o terceiro século, no Ocidente bem como no Oriente. Deste modo um cientista alexandrino, Anatolius, que se tornou Bispo da Laodiceia, na Síria, utilizou um ciclo de dezenove anos, descoberto pelo astrônomo ateniense Meto, em 432 antes de Cristo, para determinar a data da Páscoa. Este ciclo estava para ser imposto a todos os Cristãos do mundo mais tarde, de acordo com este sistema, a Páscoa sempre seria celebrada depois do equinócio de primavera.

No começo do século IV, os Judeus modificaram novamente seu método de cálculo da Páscoa, de forma que todas as possíveis datas da festa caíssem em um dia do mês de Março; esta mudança dava grande importância ao cálculo que possibilitava ser a Páscoa antes do equinócio. Entretanto a maioria das igrejas havia há muito tempo deixado de seguir o método Judeu para cálculo da data da Páscoa, mas uma relativamente forte minoria ao redor da igreja de Antioquia continuava seguindo o método judeu. Os seguidores desta prática atribuíam os seguintes dizeres aos apóstolos: “Assim como para você, não faça cálculos. Mas quando seus irmãos de cincuncisão celebrarem sua Páscoa celebre a sua também... e mesmo se eles estiverem errados em seus cálculos, não se preocupe com isso.”

Ao lado desta importante diferença, existia também, algumas vezes, pequenas variações na data da Páscoa entre Roma e Alexandria. Em 314, o Concílio de Arles sugeriu que o Bispo de Roma indicasse a data anual da festa para todas as igrejas. O imperador Constantino não estava somente preocupado com a discordância sobre a natureza divina do Logos, mas também com as diferentes datas da Páscoa. De acordo com o historiador Sozomen, ele deve ter mandado o Bispo Ossius de Córdova a Alexandria para examinar estes dois problemas.

A Questão e o Concílio de Nicéia

A questão toda foi então submetida aos Padres reunidos em Nicéia. Nenhum documento autêntico do concílio existe. Se foi redigida qualquer minuta do encontro, ela não sobreviveu. Os únicos documentos inquestionáveis vindos do concílio são o Símbolo de Fé, os Vinte Cânones, a certamente incompleta lista de membros, e uma carta Sinodal endereçada à Igreja de Alexandria. O documento sobre a Páscoa que João, o Escolástico fez, em um apêndice para a Sinagoga, e que algumas autoridades identificam com o decreto que os Padres do Concílio Antioquia se referem não é, propriamente falando, uma falsificação; é um ajuste redacional, de origem desconhecida, compilado de documentos autênticos que nos foram legados. Desta forma, este documento não nos diz muito mais do que os documentos originais do Concílio. Aqui está o conteúdo do referido texto:

“Do santo concílio de Nicéia a respeito da Santa Páscoa; Então nós colocamos em efeito a opinião de todos reunidos no santo concílio no tempo do piedoso e grande imperador Constantino que não somente convocou os abaixo-assinados Bispos para dar paz à nossa nação mas também ele próprio participou do encontro; ele examinou com eles o que era bom para a Igreja Católica. Portanto, após haver examinado a questão do dever de toda Igreja sob o céu celebrar a Páscoa na mesma data, nós descobrimos que as três partes do universo estão de acordo com os Romanos e com os Alexandrinos; somente uma região oriental discorda. Isto foi julgado bom e oportuno, todas as questões e contradições sendo deixadas de lado, que os irmãos orientais sigam o exemplo dos Romanos e Alexandrinos e todos os outros para que todos possam elevar suas preces aos céus em um único dia da santa Páscoa. E todos os orientais que tinham uma prática diferente assinaram o documento.”

Isto foi um documento escrito, um decreto, cujo texto original pode ter sido perdido? É difícil dar uma resposta categórica. Se havia um decreto real, é difícil de entender como um tão importante documento pode ter sido perdido enquanto os vinte cânones conciliares foram preservados. É verdade que o Concílio de Antioquia o mencionou. Além do mais, Santo Atanásio em seu De Synodis faz referência a um texto, também desconhecido, que começa com as palavras: “Este testemunhos são para serem tomados seriamente por causa da sua origem e sua Antigüidade”. O Concílio de Antioquia que emitiu o cânone sobre a Páscoa não deve ser confundido com o Synodus in encaenis que teve lugar naquela cidade, em 341. Ele foi dez anos mais cedo, colocando-o muito perto do havido em Nicéia. Mas o termo oros pode ter o sentido de “decisão”, “medida adotada”, e não necessariamente um decreto escrito. E mesmo para a referência encontrada em De Synodis, escrito em 339, é muito vago para nós deduzir que isto se refere ao suposto decreto. Uma passagem do Panarion de Santo Epiphanius estabelece uma distinção entre as decisões tomadas pelos padres de Nicéia:

“No tempo do concílio, eles estabeleceram algumas regras eclesiásticas; mas ao mesmo tempo a respeito da Páscoa, eles prescreveram unidade e acordo para o santo e muito virtuoso Dia de Deus”.

Parece claro que, igualmente como com o cisma de Melécio, não houve um decreto, enquanto tal, sobre uma data uniforme para a Páscoa. Entretanto, é possível, baseando-se em certos testemunhos, saber o que foi decidido sobre esta questão. A Carta Sinodal à Igreja de Alexandria determinava o seguinte:

“Todos nossos irmãos orientais que até agora não têm estado de acordo com os Romanos ou vós ou com todos aqueles que desde o começo têm feito como vós fazeis, de agora em diante celebrarão a Páscoa no mesmo tempo que vós”.

A Carta Circular do Imperador Constantino às Igrejas sobre o Concílio de Nicéia, obviamente, tocou na questão pascal e indicou a solução a que chegaram:

“A Páscoa Cristã deve ser celebrada no mesmo dia por todos; e para o cálculo da data, nenhuma referência deve ser feita aos Judeus. Isto poderia ser humilhante e, além disso, é possível para eles ter duas Páscoas num só ano. [Nós temos visto o que esta asserção significa]. Conseqüentemente, as igrejas devem conformar-se com a prática seguida por Roma, África, Itália, Egito, Espanha, Gália, Grã-Bretanha, Líbia, Grécia, Ásia, Ponto e Cilícia”.

O próprio Santo Atanásio citou Cilícia como uma das regiões onde a data da Páscoa era calculada de acordo com o método Judeu. De fato, diferentes práticas existiam lá, como em outros lugares, como nós aprendemos de Sócrates. O Cânone I do Concílio de Antioquia mencionou a decisão de Nicéia sem uma descrição precisa; este concílio ameaçou graves sanções – excomunhões para os leigos, deposição para os clérigos – contra qualquer um que doravante contrariassem esta decisão celebrando a Páscoa “com os Judeus”. A Constituição Apostólica, compilada na segunda metade do século IV, nos mostra a que extensão o texto da mais antiga Didascália foi reelaborado na questão da Páscoa a fim de se harmonizar com Nicéia. Nós lemos:

“Vós, irmãos, celebrem a Páscoa com muito cuidado de acordo com o equinócio de forma a não comemorar a Paixão duas vezes no ano. Em um ano, vocês rememorarão somente uma vez Aquele que sofreu somente uma vez e vos empenheis em não mais celebrar com os Judeus”.

Os Cânones dos Santos Apóstolos encontrado no fim da Constituição Apostólica veio à tona no norte da Síria, no mesmo ambiente. O Cânone 7 declara: “Se um Bispo, um Presbítero, ou um Diácono celebrar o santo dia da Páscoa antes do equinócio da primavera, com os judeus, deixe-o ser deposto”. Santo Epifânio, aperfeiçoando a posição sobre a Páscoa tirada da seita Audiana, nos lembra dos três princípio que devem guiar os ortodoxos para determinar a data da Páscoa: a lua cheia, o equinócio, e o Domingo.

Nós podemos, portanto, reconstruir os elementos da decisão do primeiro Concílio Ecumênico a respeito da Páscoa da seguinte maneira:

  • Esta festa deve ser celebrada no mesmo domingo por todas as igrejas.
  • Deve ser levada em conta a lua cheia que segue o equinócio de primavera.


Conseqüentemente, as igrejas orientais que seguiam os Judeus no cálculo da data devem abandonar este uso. Contudo, o concílio não entra em detalhes do método de calcular e, portanto, não impõe o uso do ciclo dos dezenove anos. Como o professor D.M. Ogitsky corretamente nota, uma detalhada e exaustiva ordenação de todos os aspectos técnicos da computação da Páscoa (inclusive os problemas nascidos pela inexatidão do calendário Juliano) não era da competência do Concílio.

Entretanto, pouco a pouco foi introduzida a idéia de que o Ciclo Alexandrino de dezenove anos tinha sido sancionado pelos Padres de Nicéia. Parece que esta já era a opinião de Santo Ambrósio. Esta crença foi definitivamente implantada no começo do século VI. Dionysius Exiguus afirmou, não em termos duvidosos, que o ciclo em questão tinha sido estabelecido pelos Padres de Nicéia “non tam pertitia saeculari quam Sancti Spiritus illustratione”. No século VII, o autor do Chronicon Paschale sustentava que este ciclo, que ele chamava “admirável e digno de memória eterna”, foi adotado pelo Primeiro Concílio Ecumênico sob inspiração divina. A influência de Dionysius no Ocidente foi tamanha que o ciclo dos dezenove anos propagou-se por todos os lugares; no reinado de Carlos Magno, ele foi imposto para a totalidade da Cristandade Latina. Desde então, houve completa concordância sobre a data da Páscoa entre o Ocidente Latino e o Oriente Bizantino. Esta situação foi mantida até 1582 quando a Igreja Católica Romana introduziu o calendário Gregoriano.

A recusa em celebrar a Páscoa “com os Judeus” (meta ton Ioudaioun) significa que, nos antigos textos canônicos, nós não celebrávamos esta festa baseando sua data no método de cálculo dos Judeus. Mas, ao contrário do que se acreditou mais tarde, esta recusa de nenhuma forma visava evitar uma acidental celebração da Páscoa Cristã e da Páscoa dos Judeus juntas. Isto é claramente mostrado pelo fato de que durante os quatro séculos depois de Nicéia, a Páscoa Cristã e a Páscoa dos Judeus coincidiram muitas vezes. Santo Atanásio, falando para aqueles que seguiam o método Judeu de cálculo da data da Páscoa e que foram mais tarde chamados de Protopaschites, não disse que eles celebravam esta festa no mesmo dia dos Judeus, mas somente durante o mesmo período. Na Idade Média, quando tornou-se impossível celebrar a Páscoa Judia e a Páscoa Cristã juntas por causa do atraso de tempo no calendário Juliano, a idéia de que a concelebração das festas tinha sido proibida pela lei da igreja foi aceita generalizadamente; esta idéia, entretanto, estava baseada no literal e errôneo entendimento da expressão “meta ton Ioudaion”. Deste modo, Zonaras comentando sobre o Cânone 7 dos Santos Apóstolos declarou a respeito dos Judeus que a sua não-festiva Páscoa deveria vir primeiro e então nossa Páscoa viria em seguida. Matthew Blastares, que juntou o conhecimento e opiniões de sua época a respeito da questão da Páscoa, indicou que uma das normas a seguir para determinar a data da Páscoa era a não-coincidência da Páscoa Cristã e da Páscoa Judia.

A decisão do Concílio de Nicéia em trazer os Protopaschites alinhados com a prática geral levantou sérias resistências contrárias. O Cânone I de Antioquia nos dá a mais antiga evidência sobre esta matéria. Teodoreto de Ciro escreveu o seguinte sobre um anacoreta chamado Abraão:

“Sua simplicidade em princípio o levou a celebrar a Páscoa antes do tempo, sendo aparentemente ignorante do que os Pais de Nicéia tinham estipulado; ele queria seguir o uso antigo. Além disso, muitos outros naquele tempo estavam no mesmo estado de ignorância”.

Em certos casos, isto era uma recusa consciente em aceitar Nicéia; tal era o caso dos Audianos. Eles foram tão longe como acusar a Igreja oficial de ter mudado o método de cálculo da data da Páscoa para agradar o Imperador Constantino, o que era completamente errado. O cálculo Judeu tinha uma inquestionável atração para as comunidades cristãs da Diocese civil do Oriente, especialmente quando o cálculo Alexandrino levou a uma Páscoa tardia, isto é, um mês depois do equinócio. Isto criou um problema real. Tal foi o caso em 387 quando a Páscoa Cristã caiu em 25 de abril enquanto que a festa Judia já tinha sido celebrada em 20 de março. São João Chrisóstomo, então presbítero em Antioquia, fez um discurso. Ele fez referência às decisões de Nicéia; e, levantando somente um ponto de vista puramente disciplinar, ele disse que “mesmo se a Igreja tivesse se enganado, exatidão na observância do tempo não seria tão importante quanto uma ofensa causada por esta divisão e este cisma”. A tardia data da Páscoa naquele ano também nos guarneceu com uma muito interessante homilia. O autor, um oriental desconhecido, fez um grande esforço para estabelecer a precisão do ponto fundamental do equinócio. Aqui está como ele juntou as regras que devem ser observadas:

“Com efeito, a coisa toda é ter certeza de que o décimo-quarto do mês não preceda o equinócio de primavera, que o Domingo da Ressurreição esteja livre da dependência do décimo-quarto. É isto que causa problemas àqueles que calculam impropriamente. É necessário, com efeito, que o décimo-quarto caia na semana que precede o dia fixado para a ressurreição. Se ele cai no meio da semana, a solução é facilmente achada; se pelo contrário, ele cai no Domingo, deve haver um meticuloso tratamento porque aqueles que não fazem uma cuidadosa investigação algumas vezes cometem o erro de acreditar que ele é o décimo-quinto e não o décimo-quarto. Isto é precisamente o que aconteceu no presente caso”.

Este texto nos mostra como no Oriente os ortodoxos entenderam e colocaram em prática a ordem Nicena. Com o tempo a prática Protopaschite desapareceu. Além disso, a legislação civil contribuiu para o seu desaparecimento; uma lei de 21 de março de 413 punia com o exílio qualquer um que celebrasse a Páscoa em outra data que não fosse da Igreja Católica. Esta determinação foi levantada novamente em outra lei de 8 de junho de 423.


Arcebispo PETER de Nova York e Nova Jersey
Traduzido pelo Sr. Dom Ambrósio, Bispo Ortodoxo do Recife
Boletim Iiterparoquial, maio 2004